HERMANN TERTSCH
Martes , 27-04-10
PARECE que hemos vuelto, por el túnel del tiempo, a 1934. Es el mayor logro de nuestro magnífico Gran Timonel, José Luis Rodríguez Zapatero. Hemos llegado adonde quería. Hay gente con mucho miedo y gente con enorme entusiasmo en la venganza. ¡Enhorabuena al presidente del Gobierno y enhorabuena a todos los cretinos que no se dieron cuenta a tiempo de que éste era el plan y que toda la babosa retórica del buenismo era mentira. El fin de semana pasado ha sido aterrador para todo español responsable. Los alardes de revanchismo comienzan a adquirir unas dimensiones y una aceptación oficial, un apoyo gubernamental y una cobertura por parte de todos los medios comprados o chantajeados por el Gobierno que dan auténtico miedo.
Los aquelarres, iniciados por el necio y sectario rector de la Universidad Complutense, Carlos Berzosa, en apoyo de un juez que tiene cogido al Gobierno por la entrepierna parecen no tener fin ya. Y los discursos que oímos son mucho más cubanos o venezolanos, bolivianos o coreanos que europeos. Somos una perfecta anomalía en Europa y a nadie debiera extrañarle que dentro de unos años estemos fuera de ella. No es compatible esta irresponsabilidad y demagogia izquierdista primaria con la convivencia en una Unión Europea con Gobiernos decentes y racionales. O estamos con Cuba o con Alemania. Está claro que mucho del gentucismo que nos gobierna prefiere estar con Cuba y Venezuela. En realidad estamos ante un plan premeditado de revanchismo que con la crisis se ha acelerado y ha descoyuntado las instituciones hasta el perfecto disparate. Llámenlo como quieran, grotesco o abracadabrante. Pero en todo caso es muy peligroso. Porque no hay ningún determinismo histórico que dicte que en este país no van a llegar algunos a las manos.
La oleada de odio pergeñada por nuestro Gobierno contra la mitad de nuestro propio pueblo entra en una fase de no retorno. Yo estoy convencido de que lo quiso siempre Zapatero, desde el 11 de marzo, vísperas de las elecciones en 2004 y desde luego lo ha conseguido. Dada su perfecta ineptitud en todos los demás campos en los que, con su pereza, sinuosidad y malicia practica su actividad de gobernante, el éxito en este campo de la siembra del odio es muy considerable. Ya tenemos dos Españas, la buena y la mala. Él siempre ha gobernado contra la España que somos todos los que no estamos en su secta. Ya formamos muchos la parte de esa España que hay que liquidar para que los buenos tengan razón. Y los buenos son ellos, la España supuestamente antifascista. Los demás somos fascistas porque ellos lo han decidido. Y no debemos tener derechos algunos. Y debemos ser marginados e intimidados porque no somos de la cuerda de su abuelo inventado.
¿Era mejor poeta Lorca que Rosales? ¿Escribía mejor Alberti que Ridruejo? ¿Quién era mejor español? Da igual. En la mente simple, mezquina y sectaria de los actuales gobernantes que lo ignoran todo, y son lo que siempre hemos llamado el mínimo denominador común, el desprecio a la inteligencia y al pudor es la característica más clara. Lo peor. Cuando la miseria gobierna y la indolencia de la mayoría lo permite suceden este tipo de cosas. Un país de historia grande y noble se convierte en una nación sin techo por todos ignorada. Aquí es donde estamos. Nuestra ruina económica, pronto documentada, sólo es comparable a la ruina moral que los peores de este país nos han impuesto. Nuestros hijos vivirán mucho peor que nosotros. Nuestra prosperidad y seguridad se nos van para no volver en una generación al menos. A nuestros nietos les deseo que olviden estos años nuestros, otra nueva pesadilla, como nosotros habíamos olvidado los años fratricidas hasta que una secta de miserables volvió a condenar a nuestro país a sus insistentes fracasos.
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terça-feira, 27 de abril de 2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
SUBMARINOS
Alguém acredita que se tivéssemos políticos e partidos do “calibre actual”, no século XV, alguma vez Vasco da Gama teria, não direi, chegado à Índia, mas sequer saído a barra do Tejo?
Já demos que sobre para este peditório, mas enfim, uma esmola mais não fica mal a ninguém.
Já não bastava que o processo de substituição da anterior esquadrilha de submarinos (Portugal tem submersíveis desde 1913, primeiro que a Espanha), se tivesse arrastado entre as mais diversas peripécias, durante cerca de 15 anos; que politicamente nunca se tivesse explicado devidamente todo este assunto; que nunca houvesse defesa institucional consistente; que tivessem “inventado” um sistema de financiamento perigoso e caro mais próprio de uma empresa de vão de escada do que de um estado soberano; que tenha havido oficiais generais a discordarem na praça pública da compra dos submarinos, já depois da decisão tomada; que o número de unidades tenha sido reduzido de três para duas, mutilando a nova esquadrilha de coerência operacional; que o lançamento à água dos novos submarinos que deveria constituir um momento de orgulho nacional, se fizesse na semi clandestinidade, etc., etc., para agora que é preciso começar a pagá-los, estando estes já a fazerem provas de mar, corram os mais insistentes boatos que o governo os quer vender! Isto não é sério, mas tem que ser levado a sério.
E no momento em que se descobre que é preciso dinheiro para os pagar – que ninguém acautelou, apesar de estar previsto nas Leis de Programação Militar que, aliás, também não são para levar a sério – desabam na imprensa notícias, em momento político delicado, de que há eventuais suspeitas de “fraude”/corrupção sobre o ministro que, mal ou bem, teve a coragem de assinar o contrato, e gera-se a maior confusão, com ameaça de processos judiciais, relativamente a falhas grosseiras no cumprimentos da contrapartidas contratuais.
No auge da confusão de um jantar/convívio/debate/arruada/comício, em que é fértil a nossa vida partidária, o presidente do PS, Dr. Almeida Santos – que já foi nº dois da hierarquia do Estado – pergunta-se a si próprio se é burro, já que lhe escapa a necessidade do país ter submarinos, e nem vale a pena analisar os termos em que o fez, embora fosse curioso saber quem lhe encomendou o sermão.
O Dr. Almeida Santos seguramente que não é burro, no sentido popular do termo que significa não ser lerdo no entendimento das coisas ou a na verbalização das ideias; não tenho dados para saber se é inteligente, mas é seguramente esperto, senão não tinha tido a vida que teve. Mas, no caso vertente, é ignorante - um ignorante atrevidote. E foi pena que o Almirante Chefe da Armada, questionado sobre a questão, não lhe tenha respondido à letra. Compreendemos a delicadeza da questão, mas é por causa destas e muitas outras que os atrevidotes ignorantes (ou pior do que isso), continuam a dizer e a fazer coisas que vão desgraçando a Nação, com total impunidade. Um dia alguém vai ter que se sacrificar…
Mas vamos lá condensar rapidamente as razões porque necessitamos dos submarinos (e ainda de muito mais), pois parece que ninguém quer assumir estas coisas.
Como se sabe as FAs servem em tempo de guerra para combater, pela violência, os inimigos e em tempo de paz, para pôr em respeito os amigos. Neste âmbito devem constituir-se como elemento fundamentais de soberania, dissuasão, segurança e uma outra coisa que se deixou de falar, que é serem garantes da “unidade do Estado”.
Ora podemos elaborar sobre uma quantidade de missões que os submarinos podem fazer ou ajudar a fazer:
- manter uma escola de saber centenária;
- garantir treino autónomo (inclui outros Ramos);
- valorizar a componente de navios de superfície (sem o seu apoio pouco vale);
- projectar Poder;
- obter capacidade de dissuasão autónoma (único meio que Portugal terá, juntamente com os F-16);
- aumentar as opções tácticas e até estratégicas;
- vigiar as águas territoriais e a enorme ZEE de que dispomos e, também, a plataforma continental (cerca de três milhões de Km2);
- ajudar a garantir a navegabilidade de linhas de comunicação marítima de interesse nacional;
- colaborar no combate ao contrabando e tráfego de droga;
- aumentar as opções em termos de operações especiais, etc.
Mas as razões principais são de estratégia pura e dura, que derivam de uma “ditadura” geográfica, que gera uma realidade geopolítica que não podemos contornar, e que é perfeitamente entendível em duas frases de portugueses ilustres de antanho. São eles o cronista Gomes Eanes de Azurara “por um lado nos cerca o mar e por outro temos muro no reino de Castela”; e D. João II, “conter Castela em terra e batê-la no mar”.
Isto quer dizer, em termos simples, que só temos fronteira com um único país (quatro a cinco vezes mais poderoso) e que não podemos fechar a fronteira marítima que é não só a nossa janela de liberdade como de oportunidade. E político português que não saiba isto ou não perceba isto, é indigno de ocupar qualquer cargo de responsabilidade. Percebe-se que seja politica e diplomaticamente melindroso, quiçá inconveniente, assumir isto publicamente, por isso é que temos que formar elites que saibam estas e outras coisas básicas, que devem constituir os nossos “segredos de família”.
Não se pode é, ainda por cima, andar a fazer chicana política com coisas sérias. E para o caso de ninguém neste desconchavado país que ainda é o nosso, se ter dado conta, a Espanha está em vias de possuir duas fortíssimas “task force”, uma no Atlântico e outra no Mediterrâneo, com um porta aviões cada e numerosos vasos de guerra de superfície e submarina, do mais moderno que há no mundo. Não pagam em leasing e não há notícias de contestação.
Por tudo isto faz todo o sentido que os novos submarinos “Arpão” e “Tridente” sejam aumentados ao efectivo da “Briosa” e que a população se reveja neles e acarinhe as guarnições, porque na roda do leme, continua lá escrito “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”.
O que não faz sentido é gastar-se biliões de contos, por exemplo, no sistema educativo e o resultado ser a medíocre formação da grande maioria dos nossos jovens em termos culturais, físicos, morais, cívicos, ou seja em todos os âmbitos que devem fazer parte da formação de um cidadão completo.
O que não faz sentido é ter submarinos e depois não os operar de um modo eficaz (que não eficiente), não haver gente que se proponha a arriscar a vida a operá-los ou, sendo necessário, não existir liderança com coragem para mandar disparar. Isto sim, seria um desperdício.
Não querer submarinos é renunciar à independência. E, calhando, é isto mesmo o que está em causa.
Gostaria de voltar a ter gente séria a governar o meu país.
João José Brandão Ferreira
TCor Pilav (Ref)
sexta-feira, 16 de abril de 2010
CONHECER TODOS OS PONTOS DE VISTA
É ARRISCADO ESCREVER SOBRE ESTAS COISAS. NÃO ESTÁ NA MODA
Sexta-Feira, 2 de Abril de 2010
Público, 20110402 José Manuel Fernandes
Bento XVI é parte da solução, e não parte do problema, na crise que os casos de pedofilia abriram na Igreja Católica
Não sou crente. Educado na fé católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir os chamados "escândalos de pedofilia" na Igreja Católica. Até porque não sei se, como escreveu António Marujo neste jornal - no texto mais informado publicado sobre o tema em jornais portugueses -, estamos ou não perante "A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos".
Tendo porém a concordar com um outro agnóstico, Marcello Pera, filósofo e membro do Senado italiano, que escreveu no Corriere della Sera que se, sob o comunismo e o nazismo, "a destruição da religião comportou a destruição da razão", a guerra hoje aberta visa de novo a destruição da religião e isso "não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie". Por isso acho importante contrariar muitas das ideias feitas que têm marcado um debate inquinado por muita informação errada ou manipulada.
Vale por isso a pena começar por tentar saber se o problema da pedofilia e dos abusos sexuais - um problema cuja gravidade ninguém contesta, ocorram num colégio católico, na Casa Pia ou na residência de um embaixador - tem uma incidência especial em instituições da Igreja Católica. Os dados disponíveis não indicam que tenha: de acordo com os dados recolhidos por Thomas Plante, professor nas universidades de Stanford e Santa Clara, a ocorrência de relações sexuais com menores de 18 anos entre o clero do sexo masculino é, em proporção, metade da registada entre os homens adultos. É mesmo assim um crime imenso, pois não deveria existir um só caso, mas permite perceber que o problema não só não é mais frequente nas instituições católicas, como até é menos comum. Tem é muito mais visibilidade ao atingir instituições católicas.
Uma segunda questão muito discutida é a de saber se existe uma relação entre o celibato e a ocorrência de abusos sexuais. Também aqui não só a evidência é a contrária - a esmagadora maioria dos abusos é praticada por familiares próximos das vítimas - como o tema do celibato é, antes do mais, um tema da Igreja e de quem o escolhe. Não existiu sempre como norma na Igreja de Roma e hoje esta aceita excepções (no clero do Oriente e entre os anglicanos convertidos). Pode ser que a norma mude um dia, mas provavelmente ninguém melhor do que o actual Papa para avaliar se esse momento é chegado - até porque talvez ninguém, no seio da Igreja Católica, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa como Bento XVI.
Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes "escândalos" é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa. Não tenho espaço, nem é relevante para esta discussão, para explicar as múltiplas deturpações e/ou omissões que têm permitido dirigir as setas das críticas contra Bento XVI, mas não posso deixar de recordar o que ele, primeiro como cardeal Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como sucessor de João Paulo II, já fez neste domínio.Até ao final do século XX o Vaticano não tinha qualquer responsabilidade no julgamento e punição dos padres acusados de abusos sexuais (e não apenas de pedofilia). A partir de 2001, por influência de Ratzinger, o Papa João Paulo II assinou um decreto - Motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela - de acordo com o qual todos os casos detectados passaram a ter de ser comunicados à Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger enfrentou então muitas oposições, pois passou a tratar de forma muito mais expedita casos que, de acordo com instruções datadas de 1962, exigiam processos muito morosos. A nova política da Congregação para a Doutrina da Fé passou a ser a de considerar que era mais importante agir rapidamente do que preservar os formalismos legais da Igreja, o que lhe permitiu encerrar administrativamente 60 por cento dos casos e adoptar uma linha de "tolerância zero".
Depois, mal foi eleito Papa, Bento XVI continuou a agir com rapidez e, entre as suas primeiras decisões, há que assinalar a tomada de medidas disciplinares contra dois altos responsáveis que, há décadas, as conseguiam iludir por terem "protectores" nas altas esferas do Vaticano. A seguir escolheu os Estados Unidos - um dos países onde os casos de abusos cometidos por padres haviam atingido maiores proporções - para uma das suas primeiras deslocações ao estrangeiro e, aí (tal como, depois, na Austrália), tornou-se no primeiro chefe da Igreja de Roma a receber pessoalmente vítimas de abusos sexuais. Nessa visita não evitou o tema e referiu-se-lhe cinco vezes nas suas diferentes orações e discursos.Agora, na carta que escreveu aos cristãos irlandeses, não só não se limitou a pedir perdão, como definiu claramente o comportamento dos abusadores como "um crime" e não apenas como "um pecado", ao contrário do que alguns têm escrito por Portugal. Ao aceitar a resignação do máximo responsável pela Igreja da Irlanda também deu outro importante sinal: a dureza com que o antigo responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé passou a tratar os abusadores tem agora correspondência na dureza com que o Papa trata a hierarquia que não soube tratar do problema e pôr cobro aos crimes.
De facto - e este aspecto é muito importante - a ocorrência destes casos de abusos sexuais obriga à tomada de medidas pelos diferentes episcopados. Quando isso acontece, a situação muda radicalmente. Nos Estados Unidos, país onde primeiro se conheceu a dimensão do problema, a Conferência de Dallas de 2002 adoptou uma "Carta para a Protecção de Menores de Abuso Sexual" que levaria à expulsão de 700 padres. No Reino Unido, na sequência do Relatório Nolan (2001), acabou-se de vez com a prática de tratar estes assuntos apenas no interior da Igreja, passando a ser obrigatório dar deles conta às autoridades judiciais. A partir de então, como notava esta semana, no The Times, William Rees-Mogg, a Igreja de Inglaterra e de Gales "optou pela reforma, pela abertura e pela perseguição dos abusadores em vez de persistir no segredo, na ocultação e na transferência de paróquia dos incriminados".
Bento XVI, que não despertou para este problema nas últimas semanas, não deverá precipitar decisões por causa desta polémica. No passado domingo, durante as cerimónias do Domingo de Ramos, pediu aos crentes para não se deixarem intimidar pelos "murmúrios da opinião dominante", e é natural que o tenha feito: se a Igreja tivesse deixado que a sua vida bimilenar fosse guiada pelo sentido volátil dos ventos há muito que teria desaparecido.
Ao mesmo tempo, como assinalava John L. Allen, jornalista do National Catholic Reporter, em coluna de opinião no New York Times, "para todos os que conhecem a experiência recente do Vaticano nesta matéria, Bento XVI não é parte do problema, antes poderá ser boa parte da solução".
Uma demonstração disso mesmo pode ser encontrada na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, de 25 de Dezembro de 2005, ano em que foi eleito. Boa parte dela ocupa-se da reconciliação, digamos assim, entre as concepções de "eros", o termo grego para êxtase sexual, e de "ágape", a palavra que o cristianismo adoptou para designar o amor entre homem e mulher. Se, como referia António Marujo na sua análise, o teólogo Hans Küng considera que existe uma "relação crispada" entre catolicismo e sexualidade, essa encíclica, ao recuperar o valor do "eros", mostra que Bento XVI conhece o mundo que pisa. Por isso eu, que nem sou crente, fui informar-me sobre os casos e sobre a doutrina e escrevi este texto que, nos dias inflamados que correm, se arrisca a atrair muita pedrada. Ela que venha.
Jornalista
Público, 20110402 José Manuel Fernandes
Bento XVI é parte da solução, e não parte do problema, na crise que os casos de pedofilia abriram na Igreja Católica
Não sou crente. Educado na fé católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir os chamados "escândalos de pedofilia" na Igreja Católica. Até porque não sei se, como escreveu António Marujo neste jornal - no texto mais informado publicado sobre o tema em jornais portugueses -, estamos ou não perante "A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos".
Tendo porém a concordar com um outro agnóstico, Marcello Pera, filósofo e membro do Senado italiano, que escreveu no Corriere della Sera que se, sob o comunismo e o nazismo, "a destruição da religião comportou a destruição da razão", a guerra hoje aberta visa de novo a destruição da religião e isso "não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie". Por isso acho importante contrariar muitas das ideias feitas que têm marcado um debate inquinado por muita informação errada ou manipulada.
Vale por isso a pena começar por tentar saber se o problema da pedofilia e dos abusos sexuais - um problema cuja gravidade ninguém contesta, ocorram num colégio católico, na Casa Pia ou na residência de um embaixador - tem uma incidência especial em instituições da Igreja Católica. Os dados disponíveis não indicam que tenha: de acordo com os dados recolhidos por Thomas Plante, professor nas universidades de Stanford e Santa Clara, a ocorrência de relações sexuais com menores de 18 anos entre o clero do sexo masculino é, em proporção, metade da registada entre os homens adultos. É mesmo assim um crime imenso, pois não deveria existir um só caso, mas permite perceber que o problema não só não é mais frequente nas instituições católicas, como até é menos comum. Tem é muito mais visibilidade ao atingir instituições católicas.
Uma segunda questão muito discutida é a de saber se existe uma relação entre o celibato e a ocorrência de abusos sexuais. Também aqui não só a evidência é a contrária - a esmagadora maioria dos abusos é praticada por familiares próximos das vítimas - como o tema do celibato é, antes do mais, um tema da Igreja e de quem o escolhe. Não existiu sempre como norma na Igreja de Roma e hoje esta aceita excepções (no clero do Oriente e entre os anglicanos convertidos). Pode ser que a norma mude um dia, mas provavelmente ninguém melhor do que o actual Papa para avaliar se esse momento é chegado - até porque talvez ninguém, no seio da Igreja Católica, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa como Bento XVI.
Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes "escândalos" é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa. Não tenho espaço, nem é relevante para esta discussão, para explicar as múltiplas deturpações e/ou omissões que têm permitido dirigir as setas das críticas contra Bento XVI, mas não posso deixar de recordar o que ele, primeiro como cardeal Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como sucessor de João Paulo II, já fez neste domínio.Até ao final do século XX o Vaticano não tinha qualquer responsabilidade no julgamento e punição dos padres acusados de abusos sexuais (e não apenas de pedofilia). A partir de 2001, por influência de Ratzinger, o Papa João Paulo II assinou um decreto - Motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela - de acordo com o qual todos os casos detectados passaram a ter de ser comunicados à Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger enfrentou então muitas oposições, pois passou a tratar de forma muito mais expedita casos que, de acordo com instruções datadas de 1962, exigiam processos muito morosos. A nova política da Congregação para a Doutrina da Fé passou a ser a de considerar que era mais importante agir rapidamente do que preservar os formalismos legais da Igreja, o que lhe permitiu encerrar administrativamente 60 por cento dos casos e adoptar uma linha de "tolerância zero".
Depois, mal foi eleito Papa, Bento XVI continuou a agir com rapidez e, entre as suas primeiras decisões, há que assinalar a tomada de medidas disciplinares contra dois altos responsáveis que, há décadas, as conseguiam iludir por terem "protectores" nas altas esferas do Vaticano. A seguir escolheu os Estados Unidos - um dos países onde os casos de abusos cometidos por padres haviam atingido maiores proporções - para uma das suas primeiras deslocações ao estrangeiro e, aí (tal como, depois, na Austrália), tornou-se no primeiro chefe da Igreja de Roma a receber pessoalmente vítimas de abusos sexuais. Nessa visita não evitou o tema e referiu-se-lhe cinco vezes nas suas diferentes orações e discursos.Agora, na carta que escreveu aos cristãos irlandeses, não só não se limitou a pedir perdão, como definiu claramente o comportamento dos abusadores como "um crime" e não apenas como "um pecado", ao contrário do que alguns têm escrito por Portugal. Ao aceitar a resignação do máximo responsável pela Igreja da Irlanda também deu outro importante sinal: a dureza com que o antigo responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé passou a tratar os abusadores tem agora correspondência na dureza com que o Papa trata a hierarquia que não soube tratar do problema e pôr cobro aos crimes.
De facto - e este aspecto é muito importante - a ocorrência destes casos de abusos sexuais obriga à tomada de medidas pelos diferentes episcopados. Quando isso acontece, a situação muda radicalmente. Nos Estados Unidos, país onde primeiro se conheceu a dimensão do problema, a Conferência de Dallas de 2002 adoptou uma "Carta para a Protecção de Menores de Abuso Sexual" que levaria à expulsão de 700 padres. No Reino Unido, na sequência do Relatório Nolan (2001), acabou-se de vez com a prática de tratar estes assuntos apenas no interior da Igreja, passando a ser obrigatório dar deles conta às autoridades judiciais. A partir de então, como notava esta semana, no The Times, William Rees-Mogg, a Igreja de Inglaterra e de Gales "optou pela reforma, pela abertura e pela perseguição dos abusadores em vez de persistir no segredo, na ocultação e na transferência de paróquia dos incriminados".
Bento XVI, que não despertou para este problema nas últimas semanas, não deverá precipitar decisões por causa desta polémica. No passado domingo, durante as cerimónias do Domingo de Ramos, pediu aos crentes para não se deixarem intimidar pelos "murmúrios da opinião dominante", e é natural que o tenha feito: se a Igreja tivesse deixado que a sua vida bimilenar fosse guiada pelo sentido volátil dos ventos há muito que teria desaparecido.
Ao mesmo tempo, como assinalava John L. Allen, jornalista do National Catholic Reporter, em coluna de opinião no New York Times, "para todos os que conhecem a experiência recente do Vaticano nesta matéria, Bento XVI não é parte do problema, antes poderá ser boa parte da solução".
Uma demonstração disso mesmo pode ser encontrada na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, de 25 de Dezembro de 2005, ano em que foi eleito. Boa parte dela ocupa-se da reconciliação, digamos assim, entre as concepções de "eros", o termo grego para êxtase sexual, e de "ágape", a palavra que o cristianismo adoptou para designar o amor entre homem e mulher. Se, como referia António Marujo na sua análise, o teólogo Hans Küng considera que existe uma "relação crispada" entre catolicismo e sexualidade, essa encíclica, ao recuperar o valor do "eros", mostra que Bento XVI conhece o mundo que pisa. Por isso eu, que nem sou crente, fui informar-me sobre os casos e sobre a doutrina e escrevi este texto que, nos dias inflamados que correm, se arrisca a atrair muita pedrada. Ela que venha.
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