Vi, ouvi, li, e não
queria acreditar. 70 das mais importantes personalidades do país, parte
substancial da nossa elite, veio propor que se diga aos credores internacionais
o seguinte:
– Desculpem lá
qualquer coisinha mas nós não conseguimos pagar tudo o que vos devemos, não
conseguimos sequer cumprir as condições que nós próprios assinámos, tanto em
juros como em prazos de amortizações!
Permitam-me uma
pergunta simples e direta: Vocês pensaram bem no momento e nas consequências da
vossa proposta, feita a menos de dois meses do anúncio do modo de saída do
programa de assistência internacional?
Imaginaram que, se os
investidores internacionais levarem mesmo a sério a vossa proposta, poderão
começar a duvidar da capacidade e da vontade de Portugal em honrar os seus
compromissos e poderão voltar a exigir já nos próximos dias um prémio de risco
muito mais elevado pela compra de nova dívida e pela posse das obrigações que
já detêm?
Conseguem perceber
que, na hipótese absurda de o Governo pedir agora uma reestruturação da nossa
dívida, os juros no mercado secundário iriam aumentar imediatamente e deitar a
perder mais de três anos de austeridade necessária e incontornável para
recuperar a confiança dos investidores, obrigando, isso sim, a um novo programa
de resgate e ainda a mais austeridade, precisamente aquilo que vocês dizem
querer evitar?
Conseguem perceber
que, mesmo na hipótese absurda de os credores oficiais internacionais FMI, BCE
e Comissão Europeia aceitarem a proposta, só o fariam contra a aceitação de uma
ainda mais dura condicionalidade, ainda mais austeridade?
Conseguem perceber
que os credores externos, nomeadamente os alemães, iriam imediatamente
responder – Porque é que não começam por vocês próprios?
Os vossos bancos
não têm mais de 25 por cento da vossa dívida pública nos seus balanços, mais de
40 mil milhões de euros, e o vosso Fundo de Capitalização da Segurança Social
não tem mais de 8 mil milhões de euros de obrigações do Tesouro? Peçam-lhes um
perdão parcial de capital e de juros.
Conseguem perceber
que, neste caso, os bancos portugueses ficariam à beira da falência e a
Segurança Social ficaria descapitalizada?
Nenhum de vós,
subscritores do manifesto pela reestruturação da dívida pública, faria tal
proposta se fosse Ministro das Finanças. E sobretudo não a faria neste
delicadíssimo momento da vida financeira do país. Mesmo sendo uma proposta
feita por cidadãos livres e independentes, pela sua projeção social poderá ter
impacto externo e levar a uma degradação da perceção dos investidores, pela
qual vos devemos responsabilizar desde já. Se isso acontecer, digo-vos que como
cidadão contribuinte vou exigir publicamente que reparem o dano causado ao
Estado.
Conseguem perceber
porque é que o partido que pode ser Governo em breve, liderado por António José
Seguro, reagiu dizendo apenas que se deve garantir uma gestão responsável da
dívida pública e nunca falando de reestruturação?
Pergunto-vos também
se não sabem que uma reestruturação de dívida pública não se pede, nunca se
anuncia publicamente. Se é preciso fazer-se, faz-se. Discretamente, nos sóbrios
gabinetes da alta finança internacional.
Aliás, vocês não
sabem que Portugal já fez e continua a fazer uma reestruturação discreta da
nossa dívida pública? Vitor Gaspar como ministro das Finanças e Maria Luis
Albuquerque como Secretária de Estado do Tesouro negociaram com o BCE e a
Comissão Europeia uma baixa das taxas de juro do dinheiro da assistência, de
cerca de 5 por cento para 3,5 por cento. Negociaram a redistribuição das
maturidades de 52 mil milhões de euros dos respetivos créditos para o período
entre 2022 e 2035, quando os pagamentos estavam previstos para os anos entre
2015 e 2022, esse sim um calendário que era insustentável.
Ao mesmo tempo,
juntamente com o IGCP dirigido por João Moreira Rato, negociaram com os
credores privados Ofertas Públicas de Troca que consistem basicamente em
convencê-los a receber o dinheiro mais tarde.
A isto chama-se um
“light restructuring”, uma reestruturação suave e discreta da nossa dívida, que
continua a ser feita mas nunca pode ser anunciada ao mundo como uma declaração
de incapacidade de pagarmos as nossas responsabilidades.
Sabem que em
consequência destas iniciativas, e sobretudo da correção dos défices do Estado,
dos cortes de despesa pública, da correção das contas externas do país que já
vai em quase 3 por cento do PIB, quase cinco mil milhões de euros de saldo positivo,
os credores internacionais voltaram a acreditar em nós. De tal forma que os
juros das obrigações do Tesouro a 10 anos no mercado secundário já estão abaixo
dos 4,5 por cento.
Para os mais
distraídos, este é o valor médio dos juros a pagar pela República desde que
aderimos ao Euro em 1999. O valor factual já está abaixo. Basta consultar a
série longa das Estatísticas do Banco de Portugal.
E sim, Eng. João
Cravinho, é bom lembrar-lhe que a 1 de janeiro de 1999, a taxa das obrigações a
10 anos estava nos 3,9 por cento mas quando o seu Governo saiu, em Outubro
desse ano, já estava nos 5,5 por cento, bem acima do valor atual.
É bom lembra-lhe
que fazia parte de um Governo que decidiu a candidatura ao Euro 2004 com 10
estádios novos, quando a UEFA exigia só seis. E que decidiu lançar os ruinosos
projetos de SCUT, sem custos para o utilizador, afinal tão caros para os
contribuintes. O resultado aí está, a pesar na nossa dívida pública.
É bom lembrar aos
subscritores do manifesto pela reestruturação da dívida pública que muitos de
vós participaram nos Conselhos de Ministros que aumentaram objetivamente a
dívida pública direta e indireta.
Foram
corresponsáveis pela passagem dos cheques da nossa desgraça atual. Negócios de
Estado ruinosos, negócios com privados que afinal eram da responsabilidade do
contribuinte. O resultado aí está, a pesar direta e indiretamente nos nossos
bolsos.
Sim, todos sabemos
que quem pôs o acelerador da dívida pública no máximo foi José Sócrates,
Teixeira dos Santos, Costa Pina, Mário Lino, Paulo Campos, Maria de Lurdes
Rodrigues com as suas escolas de luxo que foram uma festa para a arquitetura e
agora queimam as nossas finanças.
Mas em geral, todos
foram responsáveis pela maneira errada de fazer política, de fazer negócios sem
mercado, de misturar política com negócios, de garantir rendas para alguns em
prejuízo de todos.
Sabem perfeitamente
que em todas as crises de finanças públicas a única saída foi o Estado parar de
fazer nova dívida e começar a pagar a que tinha sido acumulada. A única saída
foi a austeridade.
Com o vosso
manifesto, o que pretendem? Voltar a fazer negócios de Estado como até aqui?
Voltar a um modelo de gastos públicos ruinosos com o dinheiro dos outros?
Porque é que em vez
de dizerem que a dívida é impagável, agravando ainda mais a vida financeira das
gerações seguintes, não ajudam a resolver os gravíssimos problemas que a
economia e o Estado enfrentam e que o Governo não tem coragem nem vontade de
resolver ao contrário do que diz aos portugueses?
Porque é que não contribuem
para que se faça uma reforma profunda do Estado, no qual se continuam a gastar
recursos que não temos para produzir bens e serviços inúteis, ou para muitos
departamentos públicos não produzirem nada e ainda por cima impedirem os
empresários de investir com burocracias economicamente criminosas?
Porque não
canalizam as vossas energias para ajudar a uma mudança profunda de uma economia
que protege setores inteiros da verdadeira concorrência prejudicando as
famílias, as PME, as empresas exportadoras e todos os que querem produzir para
substituir importações em condições de igualdade com outros empresários
europeus?
Porque não combatem
as práticas de uma banca que cobra os spreads e as comissões mais caros da
Europa?
Um setor elétrico
que recebe demais para não produzir eletricidade na produção clássica e para
produzir em regime especial altamente subsidiado à custa de todos nós?
Um setor das
telecomunicações que, apesar de parcialmente concorrencial, ainda cobra 20, 30
e até 40 por cento acima da média europeia em certos pacotes de serviços?
Porque não ajudam a
cortar a sério nas rendas das PPP e da Energia? Nos autênticos passadouros de
dinheiros públicos que são as listas de subvenções do Estado e de isenções
fiscais a tudo o que é Fundações e Associações, algumas bem duvidosas?
Acham que tudo está
bem nestes setores? Ou será que alguns de vós beneficiam direta ou
indiretamente com a velha maneira de fazer negócios em Portugal e não querem
mudar de atitude?
Estará a vossa
iniciativa relacionada com alguns cortes nas vossas generosas pensões?
Pois no meu caso eu
já estou a pagar IRS a 45 por cento, mais uma sobretaxa de 3,5 por cento, mais
11 por cento de Segurança Social, o que eleva o meu contributo para 59,5 por
cento nominais e não me estou a queixar.
Sabem, a minha
reforma já foi mais cortada que a vossa. Quando comecei a trabalhar, tinha uma
expectativa de receber a primeira pensão no valor de mais de 90 por cento do
último salário. Agora tenho uma certeza: a minha primeira pensão vai ser de 55
por cento do último salário.
E não me estou a
queixar, todos temos de contribuir.
Caros subscritores
do Manifesto para a reestruturação da dívida pública, desculpem a franqueza: a
vossa geração está errada. Não agravem ainda mais os problemas que deixaram
para a geração seguinte. Façam um favor ao país – não criem mais problemas.
Deixem os mais novos trabalhar.