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sexta-feira, 18 de maio de 2018

O ESPLENDOR DO POLITICAMENTE IDIOTA

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O esplendor do politicamente idiota

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 28/04/2018)

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Pobre Fernando Medina, do que ele se foi lembrar: fazer um Museu das Descobertas, ou dos Descobrimentos, em Lisboa! Uma ideia que pareceria absolutamente consensual e necessária e que só pecava por tardia, parece que se transformou numa polémica que já suscitou a indignação de mais de uma centena de historiadores e “cientistas sociais”, trazida a público num abaixo-assinado de professores de diversas Universidades, portuguesas e estrangeiras — se bem que, para dizer a verdade, quase todas de segundo plano, as Universidades, e quase todos, portugueses, os professores, com excepção de alguns, que presumo brasileiros, em decorrência dos nomes que ostentam e que só podem ter origem em antepassados portugueses e não em avós balantas ou mesmo tupi-guaranis.
Antes de, com a devida vénia e indisfarçável terror, entrar na polémica, deixem-me confessar a minha ignorância preliminar relativamente a duas questões, seguramente menores: desconheço quase por completo, não só os nomes, mas, sobretudo, a importância dos ditos historiadores para o que, num português em voga mas não recomendável, chamam “a riqueza problematizante” do que ora os ocupa; e desconheço ainda mais o que faça ao certo um cientista social que o torne uma autoridade na matéria.
Isto posto, e indo ao fundo da controvérsia, estas cem excelentíssimas autoridades indignam-se, em suma, contra o maldito nome do nascituro museu. Porque a questão, dizem eles, é que chamar-lhe Museu das Descobertas ou dos Descobrimentos, “não é apenas um nome, é o que representa enquanto projecto ideológico”. Este, esclarecem, é o projecto ideológico do Estado Novo, “incompatível com o Portugal democrático”. Bravo, António Ferro, o SNI continua vivo, os Descobrimentos portugueses mais não foram do que a antecâmara do colonialismo e o Estado Novo o seu apogeu e desfecho natural! O “mar sem fim português”, de que falava Pessoa, outra coisa não era, afinal, do que o Portugal do Minho a Timor, de que falava Salazar.
Pois, bem, se a palavra “descobertas” envolve um “projecto ideológico” de conotações maléficas, isso significa que as excelentíssimas autoridades têm outro projecto ideológico que se opõe e resgata este. Qual seja, e abreviando, chamar a atenção, por exemplo, para que os povos alegadamente descobertos pelos portugueses não se terão sentido descobertos, porque, de facto, já lá estavam. É um argumento tão fantástico, que, de facto, é irrebatível. Mas, salvo desconhecida opinião, ninguém sustenta que Vasco da Gama criou do nada o samorim de Calicut, que os Jesuítas encontraram o Tibete despovoado ou que Pedro Álvares Cabral celebrou a primeira missa em Terras de Santa Cruz para uns fantasmas vestidos de índios. Não, o que eles fizeram foi encontrar as rotas, marítimas ou terrestres, que ligaram o Ocidente e a Europa ao Oriente e às Américas, pondo em contacto dois mundos até aí sem contacto algum (com a excepção parcial das viagens de Marco Polo, por via terrestre, e as viagens marítimas, sem sequência científica ou outra, dos vikings). O que se sustenta é que não foi o samorim que se deu ao trabalho de largar o seu luxuoso trono e apanhar uma low-cost para a Europa, mas o Gama que se arriscou a ir mar fora naquelas cascas de noz ao seu encontro. Na época, isso significou — em termos de navegação, de cartografia, de indústria naval, de rotas comerciais e de avanços científicos em todas as áreas — um pulo de uma dimensão nunca antes e raras vezes igualado depois, na história da Humanidade. Sem falar das terras virgens que descobrimos e dos que não descobriram povos, dos que navegaram em pleno desconhecido, movidos por um verdadeiro sentido de descoberta tão extremo e destemido que só poderemos classificar como quase demência: Bartolomeu Dias dobrando o Cabo da Boa Esperança sem saber o que iria encontrar do outro lado; Fernão de Magalhães procurando insanamente o Estreito que ainda hoje tem o seu nome, ligando o Atlântico ao Pacífico e provando que a terra era redonda e circum-navegável em toda a sua extensão; os irmãos Corte-Real desbravando o limite extremo do norte navegável. Todos eles em mar aberto e em terra de ninguém, onde seria impossível às excelentíssimas autoridades encontrarem forma práctica de dar execução a outro dos argumentos arrolados para o conceito ideológico do seu museu: “Valorizar as experiências de todos os povos que estiveram envolvidos neste processo”.
Enfim, e sempre resumindo, vem depois o argumento da escravatura. É incontornável e eu subscrevo-o: deve estar referenciado num museu sobre as Descobertas, e subsequente colonização portuguesa. Sem esquecer, porém, que não foram os portugueses que inventaram a escravatura, mas apenas aproveitaram o comércio de escravos que encontraram florescente nas costas oriental e ocidental de África. E sem esquecer também que, sem desculpar o que foi a tragédia da escravatura, não há erro mais simplista de cometer do que julgar a História pelos padrões éticos contemporâneos. E estou à vontade no assunto, pois escrevi um romance histórico cujo tema central era a escravatura em São Tomé e Príncipe e em que, apesar de ela ter durado até à primeira metade do século XX (!), não encontrei, curiosamente, entre tanta fonte pesquisada e tanto historiador preocupado, nenhum trabalho histórico de referência que a contemplasse.
Não resisto a uma palavra aos invocados historiadores brasileiros que assinam esta petição. Conheço muito, de ver e de ler, da herança história de Portugal no Brasil — e tenho um profundo orgulho nela. Todos os ciclos de prosperidade histórica do Brasil, ligados às riquezas naturais, tirando o primeiro — o do pau-brasil, irrelevante, em termos económicos — foram feitos graças a árvores levadas para lá pelos portugueses: a cana de açúcar, a borracha, o cafeeiro, até os coqueiros, que levámos da Índia. E o ouro, o célebre ouro, roubado pelo D. João V? Ah, o ouro do Brasil! Do célebre “quinto real” (tudo o que cabia à Coroa), nem um quinto cá chegou. O resto? Perguntem a todas as ‘Lava-Jato’ que saltearam o Brasil, desde 1822. Pedras, monumentos? Tudo o que ficou de pé é português: no Pará, em Pernambuco, em Salvador, em Minas, no Rio, em Paraty, onde quiserem. E o Amazonas, cujo desbravamento por Pedro Teixeira é uma aventura assombrosa de coragem e persistência e cuja colonização, que incluiu a construção dos sete fortes de fronteira, erguidos com pedras de granito levadas de Portugal a mando do marquês de Pombal, e a que o Brasil ficou a dever milhões de quilómetros quadrados de floresta virgem preciosa, e que foi, no dizer do grande historiador brasileiro Joaquim Nabuco, “talvez a maior extraordinária epopeia de todos os Descobrimentos portugueses”? É bem provável que os brasileiros não saibam nem queiram saber dessa história. Os portugueses não sabem com certeza. Mas deviam saber.
Que haja portugueses que tenham vergonha desta história e queiram reescrevê-la numa espécie de museu de autoflagelação é problema deles. Mas não pode ser problema dos outros. O dinheiro dos nossos impostos não pode servir para fazer um museu contra a nossa História, contra uma História que foi tão grandiosa que, se calhar por isso mesmo, nem a conseguimos entender, na nossa pequenez actual. Tudo isto me faz lembrar o que escreveu no início de um poema uma senhora que, por acaso, era minha mãe: “Navegavam sem o mapa que faziam/ Atrás deixando conluios e conversas/ Intrigas surdas de bordéis e paços…”.
Para terminar: já me tinha pronunciado sobre isto antes. Antes de esta irrepetível oportunidade para fazer uma coisa bem feita ter sido capturada pela intelligentsia ociosa dos abaixo-assinados. Mas volto ao que então escrevi: eu não queria apenas um Museu das Descobertas em Lisboa. Queria um Museu de Portugal e do Mar ou dos Portugueses e o Mar. Onde coubesse também a história de duas outras extraordinárias epopeias que o comum dos portugueses e dos estrangeiros que nos visitam desconhece: a nossa contribuição única e indispensável na história da pesca à baleia (juntamente com os cabo-verdianos), no Atlântico e Pacífico, e na história da pesca ao bacalhau à vela, na Gronelândia e norte do Canadá. Desse modo se tornaria patente que não foi por um simples acaso, nem para espalhar a fé e o império, ou apenas para trazer a pimenta e a canela da Índia, que este pequeníssimo povo, entalado entre o fim da Europa e o mar, escolheu o mar como destino. E, porque o espaço tem relação directa com isso, porque está miseravelmente desaproveitado, porque é lindo e porque sai mais barato aos contribuintes, queria vê-lo na Cordoaria Nacional.
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Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia 
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quinta-feira, 29 de março de 2018

DEATH'S DOMINION

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Death’s Dominion


The Pope’s suggestion that Hell is imaginary shows his instinct to reconcile eternal truths with the mores and understanding of the modern age

In church services today across the world, Christians will recall the fate of a figure nailed to a cross, flanked by two criminals, in ancient Palestine. More than that, they will affirm their faith that Jesus of Nazareth was both human and divine, and that in his crucifixion he voluntarily suffered and atoned for the sins of humanity.

In two millennia since, Christ’s followers have wondered and reasoned about the fate of those who are saved and those who are lost. This week the Pope has injected a distinctive view into this theological debate. In an interview with La Repubblica, he appears to suggest that Hell is an imaginary construct and that the fate of unrepentant sinners, rather than eternal torment, is to disappear.

If the pontiff is being accurately cited, this is not a departure from Christian orthodoxy. It is a reiteration of a longstanding position in the church, and a humane one that accords with modern mores. If there is a hereafter, it is unknown and unknowable. The justification for a virtuous life is not the dread of an eternity of torment but that it is the right course for adherents of all faiths and none. Virtue is independent of authority or the promise of reward.

Since his election in 2013, Francis has made stumbles. The most notable is his apparent failure to grasp the seriousness of the church’s historic complicity in crimes of sexual abuse against children. On a visit to Latin America in January, he was asked about protests against a Chilean bishop. He replied that the allegations were slander, without evidence to support them.

This was not the right tone of inquiry, let alone humility. Nor was it in keeping with the Pope’s approach in other matters, spiritual as well as temporal. The most distinctive feature of his papacy has been his willingness to side with the church’s flock rather than its establishment.

Francis’s illustrious predecessor John XXIII promised, when opening the Second Vatican Council in 1962, to “open the windows and let in the fresh air”. On many issues, and in many ways, Francis has been the embodiment of that hope. He is the first Pope to have addressed the United States Congress, where he urged compassion for the poor and action on the threat of climate change. On issues of state and social ethics, he has shown he is more aware of modern mores than his predecessors, and a leader in moulding them.

In matters of faith, the Pope has been more circumspect but still compassionate. He replied rhetorically, “who am I to judge?”, when asked about gay people living dignified Christian lives. This willingness to accept the limits of knowledge while affirming the foundation of faith is likely to be an enduring mark of his papacy.

That combination of orthodoxy tempered by curiosity has become a trademark. It is potentially a fruitful way for the church to approach the challenge of spreading the gospel in an age of pluralism and scepticism. Understanding what it means to be a Christian does change through the ages, and there is nothing wrong in this.

Thomas Aquinas, the greatest philosopher of the medieval church, was rendered uncharacteristically dumb when trying to imagine the pleasures of paradise. In the Summa Theologica, he speculated that to perfect the happiness of the saints in Heaven, they would be “allowed to see perfectly the sufferings of the damned”.

To the modern mind, this is vindictive. It conjures images of first-class passengers delighting in the discomfort of those at the back of the aircraft. Christian leaders have since offered St Paul’s simpler message that while “the wages of sin is death”, there is solace in faith. The Pope’s clarification that there is no such thing as eternal fire and brimstone even for those who eschew faith should be a reassurance to everyone
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sábado, 10 de março de 2018

PONTE SOBRE O TEJO

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Ponte 25 de Abril - 40 Anos

Antecedentes Históricos

O atravessamento contínuo do rio Tejo na área urbana da capital, uma aspiração quase secular, foi traduzido em termos técnicos, e pela primeira vez, pelo Eng.º Miguel Pais que propôs em 1876, em desenho, uma ponte entre o Grilo e o Montijo.
Esta proposta contemplava uma solução mista para os tráfegos rodoviário e ferroviário, de tabuleiro duplo e com setenta e seis tramos, dos quais setenta e quatro tinham 60 m de vão e os dois extremos, 48 m.
Apesar do grande apoio que colheu nos meios técnicos, na opinião pública e em departamentos oficiais, este projecto não teve seguimento, tendo surgido ao longo dos anos outras ideias para a ligação da capital à margem Sul.
Em 1888 o Eng.º Lye, de nacionalidade norte-americana, propõe a construção de uma ponte entre Almada e a zona do Tesouro Velho (actual Chiado) com uma estação ferroviária próxima do Largo das Duas Igrejas.
Posteriormente, em 1889, os engenheiros franceses Bartissol e Seyrig propõem uma ligação mista entre a Rocha do Conde de Óbidos e Almada, através de uma ponte com 2500 m de comprimento, que seria assente numa série de arcos com vãos diferentes.
Em 1890 surge nova proposta subscrita por uma empresa metalomecânica de Nuremberga que pretendia construir uma ponte entre o Beato e o Montijo, sugerindo uma localização muito próxima à que tinha sido proposta pelo Eng.º Miguel Pais.
Já no século XX, em 1913, foi proposto ao Governo, por uma firma portuguesa, fazer a ligação entre a Rocha do Conde de Óbidos e Almada.
Porém, em 1919, a empresa H. Burnay & C.ª, considerava que a travessia do Tejo deveria ser feita através de um túnel e não de uma ponte. Este túnel teria 4500 m de extensão e ligaria a capital a Almada entre Santa Apolónia e Cacilhas.
Dois anos mais tarde é feita nova sugestão para outra ponte mista, pelo Eng.º Alfonso Pena Boeuf, espanhol, a implantar entre a Rocha do Conde de Óbidos e Almada, com um comprimento total de 3347 m. Curiosamente, esta proposta previa apenas um tabuleiro com via férrea dupla e quatro vias para circulação rodoviária. Em 1926, estando ainda de pé esta proposta, a empresa do Arq.º José Cortez - Cortez & Bruhns, apresentou, em esboço, a sugestão duma grande ponte suspensa de três vãos a lançar entre a parte alta da Rua do Patrocínio e as proximidades de Almada.
O Eng.º António Belo, em 1929, solicitou a concessão de uma linha férrea a construir entre o Beato e o Montijo, que incluía a respectiva ponte para a travessia. Esta proposta mereceu, por parte do Ministro Duarte Pacheco, a atenção devida, tendo-se aberto para o efeito um concurso público em 1934, que não teve resultados concretos, visto que nenhuma das propostas correspondeu ao que o caderno de encargos estipulava sobre o regime de concessão.
Quatro anos mais tarde, retomada por um dos concorrentes - United States Steel Products - esta proposta também não obteve acordo, apesar da simplificação e redução de custo apresentadas.
Em 1942 foi nomeada uma comissão para o estudo das comunicações entre a zona oriental de Lisboa e o Sul do país, como consequência de diligências promovidas pelas Câmaras Municipais do Barreiro, Alcochete, Moita e Seixal para a melhoria das comunicações entre as sedes dos respectivos concelhos e Cacilhas. Porém, com a decisão da construção da Ponte de Vila Franca de Xira, foram suspensos os trabalhos desta comissão.
O Eng.º Pena Boeuf, em 1951, sugeriu uma nova travessia entre Almada e o Alto de Santa Catarina em Lisboa, propondo uma ponte suspensa.

O Empreendimento

Finalmente, para o estudo e resolução do problema das ligações rodoviária e ferroviária entre Lisboa e a margem Sul do Tejo, foi nomeada, por Portaria dos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações de Junho de 1953, uma nova comissão que concluiu pela viabilidade técnica e financeira da travessia através de uma ponte ou de um túnel. O Governo optou pela construção de uma ponte e pelo Decreto-Lei n.º 42 238, autorizou o Ministério das Obras Públicas a abrir concurso para a sua construção.
Em Dezembro de 1960, foi criado, na dependência do Ministro das Obras Públicas, para a condução deste empreendimento, o Gabinete da Ponte sobre o Tejo, dirigido pelo Eng.º José Estevam Abranches Couceiro do Canto Moniz, na altura director dos Serviços de Conservação da Junta Autónoma de Estradas.
Em Março de 1960 abriu-se concurso internacional para a execução da obra, tendo esta sido adjudicada à United States Steel Export Company em Maio de 1962. Compreendia a construção da ponte sobre o rio, a realização de um complexo rodoviário que incluía 15 km de auto-estrada, trinta e duas estruturas de betão armado e pré-esforçado, o Viaduto Norte sobre Alcântara (com 945,11 m de extensão e catorze vãos, cujo tabuleiro de betão pré-esforçado é apoiado em pilares gémeos de betão armado, ligados por uma travessa horizontal a 10 m do topo, destinada a suportar o tabuleiro ferroviário), um túnel sob a Praça da Portagem (com cerca de 600 m de comprimento e destinado a receber a plataforma ferroviária do eixo de ligação da rede a Norte com a rede a Sul do rio Tejo), a sinalização e iluminação de toda a obra.
Iniciada em Novembro de 1962 a ponte é constituída por uma estrutura metálica, suspensa, com cerca de 2300 m de comprimento entre ancoragens, dos quais 1013 m vencem o vão central.
As duas torres principais de aço carbono, atingem uma altura de 190,5 m acima do nível da água e estão situadas a cerca de meio quilómetro de cada margem. A construção das suas fundações, sobretudo as da torre Sul, constituiu um dos aspectos mais interessantes da obra. Implantada em pleno rio, a fundação em betão armado, realizada empregando o método do caixão aberto, assenta na rocha basáltica a 82,5 m abaixo do nível da preia-mar de águas vivas.
As torres são jorradas transversal e longitudinalmente e cada uma tem duas pernas ou montantes principais, contraventadas entre si por cinco peças em X e duas travessas horizontais, uma no topo da torre e a outra abaixo do nível da viga de rigidez.
No topo de cada torre foram fixadas duas grandes selas de aço fundido, que dão apoio aos dois cabos principais de suspensão, constituídos por fios de aço paralelos, organizados em 37 feixes com 304 fios cada um, cintados e apertados de modo a formar, em todo o percurso suspenso, um cabo com 58,6 cm de diâmetro. A viga de rigidez e o tabuleiro são suspensos desses grandes cabos que amarram a dois maciços de betão, localizados nas margens.
A grande viga de rigidez, com 21 m de largura e 10,65 m de altura, contínua em toda a sua extensão, é constituída por elementos soldados que foram depois fixados com parafusos de alta resistência. Sobre ela assenta o tabuleiro, constituído por um conjunto de longarinas e carlingas de aço sobre as quais assentam painéis formados por uma grelha do mesmo material.
A Ponte 25 de Abril, como passou a ser conhecida desde 1974 foi, no tempo da sua construção, a maior da Europa, considerando a distância entre ancoragens e a maior fora dos Estados Unidos da América.
Projectada para ser uma ponte mista - rodoviária e ferroviária - foi logo planeada no projecto a construção em duas fases, pelo que os seus elementos estruturais fundamentais (fundações, torres e pilares) previam já as sobrecargas ferroviárias de uma via dupla.
A ponte abriu ao tráfego rodoviário com duas vias em cada sentido, divididas por um separador central metálico. Devido ao grande aumento do tráfego médio diário, em Junho de 1990 foi aberta uma quinta via, reversível, obtida à custa da remoção do separador central e sem qualquer alargamento físico. Esta decisão e o aumento de capacidade resultante, obrigou à reformulação da Praça da Portagem e à inversão do sentido de cobrança da portagem, obra lançada em 1992.
O grande desenvolvimento urbano e regional da margem Sul e o consequente aumento de tráfego, provocaram a saturação da capacidade de transporte da ponte, tornando evidente a necessidade de ampliar o tabuleiro rodoviário para a capacidade máxima de seis vias e proceder aos estudos de lançamento da fase ferroviária.
Em 1990 iniciaram-se as diligências para a elaboração do projecto que foi adjudicado à firma Steinman Boynton Gronquist & Bridsal e ficou concluído em
1994. Os estudos foram conduzidos pelo Gabinete de Gestão das Obras de Instalação do Caminho de Ferro na Ponte sobre o Tejo em Lisboa, GECAF, sob a orientação do Eng.º Mário Pinto Alves Fernandes, ex-Presidente da JAE e um dos técnicos do extinto Gabinete da Ponte sobre o Tejo. Posteriormente, em Abril de 1997, este Gabinete foi integrado na REFER-EP (Rede Ferroviária Nacional).
Após concurso internacional aberto em 1995, as obras de reforço, alargamento do tabuleiro e inclusão da via férrea na ponte e seus acessos, iniciaram-se nesse mesmo ano. No esquema ferroviário adoptado, foi incluido o túnel construído durante a fase inicial sob a Praça da Portagem.
As obras efectuadas por forma a permitir a circulação diária de cerca de 250 comboios, incluiram os trabalhos seguintes:

• reforço estrutural da ponte, com a construção de dois cabos de suspensão secundários e respectivas ancoragens nas duas margens;

• reforço da viga de rigidez;

• construção do tabuleiro ferroviário para via dupla no interior da viga de rigidez, incluindo as respectivas catenárias e toda a aparelhagem de sinalização e controlo;

• alargamento do tabuleiro rodoviário para seis vias, com separador central;

• beneficiação geral da estrutura existente, incluindo decapagem e pintura total;

• renovação da instalação eléctrica, de sinalização e decorativa;

• construção do tabuleiro ferroviário sob o tabuleiro rodoviário do Viaduto de Alcântara;

• beneficiação geral do tabuleiro rodoviário do Viaduto de Alcântara, com supressão de algumas juntas e substituição de outras.

Foi a primeira vez que se levou a efeito um reforço neste tipo de estrutura tendo em vista a sobrecarga motivada pelo modo de exploração ferroviário. O peso dos comboios considerado foi duas vezes e meia superior ao que foi tido em consideração aquando da elaboração do projecto em 1960/1961.
A manutenção e a exploração desta ponte foram feitas, até Janeiro de 1973, pelo Gabinete da Ponte sobre o Tejo e entre esta data e 31 de Dezembro de 1995 pela Junta Autónoma de Estradas. A partir de 1 de Janeiro de 1996 a
exploração e a manutenção corrente passaram, de acordo com o Decreto-Lei n.º 168/94 de 15 de Junho, a ser feitas pela Lusoponte, SA., (através da Gestiponte) concessionária da nova travessia entre Lisboa e Alcochete - Ponte Vasco da Gama - inaugurada em Março de 1998.
Documentário «A Ponte Salazar sobre o rio Tejo em Lisboa - 1966», de José Leitão de Barros
Documentário «A Ponte Salazar sobre o rio Tejo», do Gabinete da Ponte sobre o Tejo

Características Geométricas

Ponte suspensa

Comprimento do vão principal

1.012,88m

Distância entre amarrações

2.227,64m

Altura livre acima do nível da água

70,00m

Altura das torres principais acima do nível da água

190,50m

Diâmetro dos cabos principais

58,60cm

Número de fios de aço por cada cabo principal

11.248

Diâmetro de cada fio de aço, cabo principal

4,877mm

Comprimento total de fio de aço nos cabos principais

54.196km

Diâmetro dos cabos secundários

35,44cm

Número de fios de aço por cada cabo secundário

4.104

Diâmetro de cada fio de aço, cabo secundário

4.98mmm

Comprimento total de fio de aço nos cabos secundários

20.000km

Profundidade do pilar principal sul abaixo do nível da água

80m

Profundidade do pilar principal norte abaixo do nível da água

35m

Viaduto do acesso Norte, construído com betão pré-esforçado

Comprimento total

945,11m

Número de vãos

14

Vão maior

76m

Acessos rodoviários Norte e Sul

Comprimento total aproximado

30Km

Número de estruturas de betão armado e pré-esforçado

32

Vão maior

76m

Quantidades aproximadas

Aço trabalhado e montado

72.600t

Betão necessário para a construção

263.000m3

Remoção de terras e rochas

6.500.000m3

Empresas que trabalharam directamente na obra (das quais 11 portuguesas)

14

Máximo de trabalhadores que diariamente estiveram na obra

3.000

Número de homens-dia empregados na execução da obra

2.185.000

Custo da ponte e acessos rodoviários

2 145 000 contos

Localização

AE 2 Sul, km 5, lanço Lisboa / Almada Concelho - Lisboa / Almada

Publicações

A Ponte Salazar / Ministério das Obras Públicas, Gabinete da Ponte sobre o Tejo. - [Lisboa] : GPST, 1966 (reimp. 1992). € 25,24

Le pont Salazar / Ministério das Obras Públicas, Gabinete da Ponte sobre o Tejo. - [Lisboa] : GPST, [1966?] (reimp. 1992). € 25,24

The Salazar bridge / Gabinete da Ponte sobre o Tejo, Ministério das Obras Públicas. - [Lisboa] : GPST, 1966 (reimp. 1992).

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

UMA DECISÃO PARA LAMENTAR

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O acordo ortográfico contribui para abolir as variantes cultas das palavras e as suas ligações etimológicas. A língua portuguesa torna-se mais pobre e distante das suas raízes, transformando-se num idioma de laboratório 
A semana passada foi marcada pela rejeição, pelo parlamento, da proposta do PCP de abandono do acordo ortográfico. Trata-se de decisão que demonstra bem a insensibilidade dos nossos deputados, uma vez que, perante o desastre que está a ser a aplicação deste acordo, o parlamento prefere ignorar o que se está a passar, assistindo pacificamente à destruição total da língua portuguesa. Porque de facto, com este acordo ortográfico, o português europeu está a transformar-se num estranho dialecto, com regras escritas incompreensíveis, que se afastam da sua etimologia e das restantes línguas latinas. Com a agravante de nem sequer haver qualquer uniformização com os outros países de língua portuguesa que ou não aplicam o acordo ou do mesmo resulta que sigam regras diferentes, graças à pronúncia que utilizam.
Um bom exemplo disto resulta da recente tradução do livro da escritora argentina María Gainza, que em espanhol se chama “El nervio óptico”, mas que no português acordista se transforma em “O Nervo Ótico”. O problema é que sempre se utilizou na língua portuguesa a expressão “ótico” como relativa ao ouvido, reservando-se o termo “óptico” para a visão. Tal é o significado dos respectivos antecedentes gregos “otikos” e “optikos”. O acordo ortográfico aboliu esta distinção essencial, mas apenas no português de Portugal, continuando a distinção a existir no português do Brasil. Será que isto faz algum sentido?
E o mesmo sucede com outras palavras como “recepção”, “concepção”, que se conservam sem alterações na ortografia brasileira, mas que na portuguesa passam a “receção” e “conceção”, facilmente confundíveis com “recessão” e “concessão”. Qual a necessidade de abolir a grafia anterior se o que se consegue é criar uma ortografia que ainda mais se diferencia da dos outros países lusófonos?
Isto já para não falar da multiplicação dos erros de escrita que o acordo ortográfico causou, com a absurda directriz de querer abolir as consoantes mudas, estando muita gente a abolir consoantes que continuam a pronunciar--se. É assim que já se viu aparecer erros como “fato”, “ineto”, “corruto”, que demonstram bem a falta de critério na abolição das consoantes pretensamente mudas.
E por último deveria salientar-se o facto de o acordo ortográfico contribuir para levar à abolição das variantes cultas das palavras e às ligações etimológicas das mesmas. Assim, a expressão culta “ruptura”, mais próxima do latim, foi transformada em “rutura”, esquecendo-se que já existia a variante popular “rotura”. Fala-se em “ótico” para a visão, mas esquece-se que a medição da mesma continua a ser a “optometria”. E os egípcios, pelos vistos, passaram agora a viver no “Egito”, esquecendo-se que a palavra Egipto tem origem no deus Ptah que, que se saiba, ainda não passou a Tah. Com o acordo ortográfico, a língua portuguesa torna-se assim mais pobre e distante das suas raízes, transformando-se num idioma de laboratório.
Na banda desenhada “Spirou e Fantásio”, da autoria de Franquin, aparece um vilão chamado Zorglub que pretende criar uma ditadura alterando o cérebro das pessoas, o que as faz falar e escrever numa nova língua, a zorglíngua, em que todas as palavras surgem ao contrário. Esperava-se que um parlamento democrático, como o português, nos livrasse deste triste destino. Mas afinal, graças aos restantes partidos, com excepção do PCP, vai tudo continuar como dantes. Isto não foi uma decisão parlamentar, foi uma decisão para lamentar.

Luís Menezes Leitão in "jornal
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