Durante seis anos estive ao teu lado todos os dias no campo de treinos, primeiro em Lisboa, depois no Porto e finalmente em Barcelona. Esses foram alguns dos meus momentos mais felizes no futebol e tu contribuíste muito para isso.
Estou muito orgulhoso por aquilo que conquistaste por mérito próprio enquanto treinador, mais orgulhoso do que possas imaginar. E, sim, talvez um pouco invejoso. Tu és jovem, bem parecido e tens o teu nome em medalhas da Liga dos Campeões e do campeonato inglês. Eu não posso reclamar nenhum desses títulos, apesar de dizerem que também fui uma figura deslumbrante, há alguns anos.
Como um pai que observa o seu filho ‘voar do ninho’ e fazer as coisas à sua maneira, sou levado, por vezes, a ver as coisas de uma maneira um pouco diferente da tua. Mas tenho a certeza que sempre falarei de ti com afecto genuíno. Nós não passámos um ao outro apenas conhecimentos. Passámos seis anos juntos a ganhar troféus e a divertirmo-nos. Soube, em primeira mão, da tua inteligência e paixão pelo futebol. Também sei que, apesar da imagem que dás, há um lado sensível em ti. Podes ‘cerrar os dentes’ e fingir que não é nada contigo, mas eu sei que não gostarás de todas estas críticas pessoais que te são dirigidas neste momento.
O que me preocupa, José, é que tens o potencial para te tornares um dos técnicos mais populares e bem sucedidos que o futebol já conheceu, mas este legado está a ficar em risco por uma série, aparentemente sem fim, de incidentes controversos, e é isso a única coisa que posso apontar à tua atitude de ‘ganhar a todo o custo’, independentemente de com quem seja o conflito.
Aborrece-me que as pessoas retirem proveito de te ver eliminado pelo Barcelona. As tuas conquistas merecem mais do que isso, mas tens de aceitar alguma culpa própria do que aconteceu. Tu fazias dossiês brilhantes sobre os nossos próximos adversários. Ninguém no mundo conseguia analisar melhor os pontos fortes e fracos das equipas. Se te analisares assim, por um momento, José, poderás endireitar as coisas.
Técnicos lendários como Bill Shankly e Brian Clough serviram os seus clubes mas também o futebol. Isso foi o que os tornou ‘special ones’. ‘Cloughie’, por exemplo, podia ter uma opinião sobre tudo, mas os seus jogadores eram bem comportados e nunca eram repreendidos pelos árbitros. Gostaria que a tua reputação fosse mais como a de Bill Shankly e menos como a de Napoleão, um general absolutamente brilhante mas que, contudo, acabou como um falhado devido ao seu vício pelo conflito.
Quando chegaste, José, e te proclamaste o ‘Special One’, existia um brilho maldoso nos teus olhos e o público adorou-te. Eras diferente, uma lufada de ar fresco. Ainda és, mas o brilho desapareceu. Não estava lá quando discutiste com Bryan Robson ou quando acusaste Lionel Messi de fazer teatro na primeira ‘mão’ contra o Barcelona.
O teu talento é especial, José, mas não tão especial que te impeça de perder um jogo de maneira justa e clara. Isso acontece a todos e quando acontece só tens de respeitar os teus adversários e os árbitros. Os árbitros erram mas tu também, mesmo que os teus erros sejam menos frequentes que os de outros treinadores.
Se voltasses atrás, no jogo de Barcelona, deixarias o Gudjohnsen no banco ou pedirias ao Lampard para jogar tão à frente? Tu és suficientemente inteligente para perceber que em algum momento esta tensão vai ter de parar. E eu fiquei comovido pela tua resposta em Nou Camp quando deste os parabéns a Rijkaard e dirigiste um beijo aos adeptos do Barcelona que outrora te adoravam.
Se apelasse a algo, seria que ‘abraçasses’ o público e não que te afastasses dele. Só porque o teu primeiro e mais importante dever é para com o Chelsea, isso não quer dizer que te transformes numa figura odiada pelos adeptos dos outros clubes. Se isso acontecer, irás obviamente perder amigos, mesmo dentro do teu clube.
Os patrões do Chelsea já têm uma imagem de grandeza mas para rivalizarem com o Real Madrid e com o Man. United, a nível mundial, terão de ganhar amigos assim como troféus. Já te vi várias vezes desde que chegaste a Inglaterra. Chegaste calmo, confiante e surpreendeste todo o mundo com a conquista de dois troféus na primeira época. Quando nos vimos pela última vez, no Fulham-Newcastle, estavas já mais agitado e menos relaxado. Tens um grande sorriso, José. Usa-o.
As pessoas vão perguntar até onde o Chelsea pode chegar. Não acho que tenhas medo de trazer grandes nomes para o Chelsea se eles estiverem disponíveis. Já ouvi alguém dizer que não serias capaz de lidar com uma grande ‘estrela’, mas não concordo. Lembro-me de Barcelona, quando ainda eras um jovem e tinhas de lidar com uma mistura explosiva de grandes nomes e personalidades diferentes como Stoichkov, Guardiola e Ronaldo. Foste firme com eles e ainda ganhaste a sua amizade e respeito. Para jogar um futebol deslumbrante como o Barcelona, precisas de jogadores deslumbrantes. Mas o problema é que neste Verão não vejo Ronaldinho, Henry, Rooney ou Eto’o a estarem disponíveis para ti. Acredito que Adriano possa ser uma solução, mas será Schevchenko a resposta para o futuro quando ele poderá apenas fazer mais um ou dois anos ao seu melhor? Penso que terás de seguir outro caminho para comprar autênticos ‘galácticos’, e é por isso que a tua relação com o director desportivo Frank Arnesen é importante. Mesmo com o livro de cheques de Abramovich poderás não conseguir contratar os melhores do momento. Por isso, o melhor é contratar talentos emergentes, como o ‘Barça’ fez com Messi.
O projecto do Chelsea está apenas a iniciar-se e quando Frank Arnesen começar a descobrir jovens génios de África, Europa, América do Sul e também dentro de Inglaterra, não haverá ninguém melhor que tu, José, para os moldar a uma equipa fantástica que vencerá com estilo. Só espero que consigas enfrentar a actual pressão e continues assim nos próximos anos. José, pensa em Shankly, não em Napoleão. Nada me dará mais prazer do que ver-te na final da Liga dos Campeões do próximo ano e saber que toda a gente estará a torcer por ti.
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domingo, 16 de maio de 2010
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