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domingo, 10 de junho de 2012

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A Tragédia à vista e quase ninguém a quer ver…de novo!

(09-06-2012)


Esta sexta-feira, Barack Obama disse, nos Estados Unidos, que a Economia Americana não está bem e que é preciso tomar medidas para acelerar o crescimento.
Como?, pergunto eu na minha surpresa de europeu de um país em austeridade! Ouvi bem? Como disse, senhor Obama?
Depois de tantos biliões de dólares injectados pelo Tesouro americano numa política de estímulos à economia com dinheiro criado pela FED? Afinal a economia americana não cresce o suficiente com essa receita?

Esta quinta-feira, numa audição no Congresso, o presidente da  Reserva Federal reconheceu que, de facto, é preciso tomar medidas para reduzir o défice americano e que este défice, de quase dez por cento ao ano,  pode comprometer o crescimento a médio e longo prazo nos EUA. Mas Ben Bernanke recusou-se a  dar sugestões sobre a forma de o reduzir – se por via do corte de despesa, de aumento de impostos, ou de ambos -  e acrescentou que o problema não é premente. A médio prazo sim, os EUA deverão começar a pensar nisso…
Os dois senhores citados, e também Timoty Geithner, secretário de Estado do Tesouro, são os mesmos que nos últimos dois anos se têm multiplicado em declarações sobre a política alegadamente errada que a Europa do Euro e, em particular a senhora Merkel, têm seguido no Velho Continente. Os maiores responsáveis políticos e financeiros  americanos vão mais longe: dizem mesmo que o maior risco para a economia americana vem da Zona Euro e da ameaça de desintegração provocada pelas políticas restritivas de Berlim e Bruxelas.
Não vale a pena teorizar muito sobre duas visões completamente diferentes da mesma realidade, a realidade do declínio económico da Europa e dos Estados Unidos no mundo globalizado, provocada pelos excessos do sistema financeiro e a alavancagem geral das famílias, das empresas e do Estado.
A senhora Merkel tem razão e o senhor Obama não tem razão.
A senhora Merkel, com a sua teimosia, está a conduzir a Europa a uma urgência de reforço da união monetária, financeira e, por consequência, a uma União Política que pode conduzir ao Federalismo. Venha ele. Com novos mecanismos de controlo orçamental, depois de aprovado o Tratado Intergovernamental ou revisto o próprio Tratado de Maastricht, o Euro será reforçado, os países gastadores vão corrigir os seus excessos e os Governos dos países mais ricos, como a Alemanha, poderão assim justificar perante as suas opiniões públicas, as ajudas que vão continuar a dar aos países periféricos. Ao contrário do que se escreve, que a Alemanha não quer ajudar a Grécia, a verdade é a contrária. A Alemanha, pela primeira vez em muitos séculos, quer ajudar a Grécia. Noutras alturas de facto não ajudou e, até há poucas décadas, a Grécia viveu sempre em incumprimento, na bancarrota ou lá próxima. O que a Alemanha quer é garantias de que a ajuda vale a pena.
Do outro lado do Atlântico, os riscos são cada vez maiores. A estratégia, não sendo explícita, é simples: a emissão contínua de moeda pela Reserva federal é uma forma de baixar o valor da moeda e, por consequência, baixar o valor da dívida externa. Entretanto, a economia vai sendo alimentada por dinheiro injectado pelo Governo em gastos públicos insustentáveis. O mecanismo funciona desde que haja procura externa para as notas de dólar e para as bonds, títulos de dívida dos EUA. Perante uma Europa do Euro que prece desagregar-se, os investidores procuram bonds, fazendo subir o preço,  baixando as yields, ou os juros, e alimentado cada vez mais o monstro insaciável.
A história recente mostra que o pensamento único é perigoso. Em 2007 eram poucos os que diziam que o mercado financeiro estava contaminado por produtos estruturados com base num mercado imobiliário insustentável. Os poucos tinham razão. Os muitos que criticavam as vozes de alerta não tinham razão.
Em 2012, muitos dizem que a senhora Merkel está a esmagar a Europa e que a austeridade é uma política fatal e que é preciso estímulos orçamentais ao crescimento económico.
Eu arrisco dizer que a senhora Merkel tem razão; o que os mercados financeiros querem é que os Estados, isto é, os contribuintes, paguem a totalidade dos prejuízos do dinheiro que emprestaram. Arrisco dizer  que os analistas e os políticos que querem uma solução política imediata para o Euro e os países em dificuldades, que pedem mais estímulos orçamentais estão, sem o saberem, a fazer o jeito a esses investidores – querem que os Estados se endividem ainda mais e que o BCE comece a imprimir dinheiro como a FED. Estão errados.
A fronteira entre a confiança aparentemente  ilimitada dos investidores mundiais nas bonds e no dólar,  e a desconfiança súbita, é mais fina que as asas de uma abelha. Por este caminho não faltarão muitos anos para o dólar começar ter menos procura  e as yields das bonds americanas começarem a subir, tornando a dívida externa insustentável.. A declaração do senhor Obama sobre o verdadeiro estado da economia dos EUA arrisca-se a ser um princípio.
Fica escrito assim, preto no branco, para memória futura.
Não só o actual modelo económico americano, baseado nos estímulos públicos e numa política monetária expansiva, é insustentável, como é insustentável a exposição dos dez maiores bancos americanos a derivados financeiros que enxameiam os seus balanços e os mercados em geral. Para se ter uma ideia aproximada, o PIB americano é de 14 biliões (trillion) de dólares; o PIB de todo o mundo é de 70 biliões. A exposição dos bancos americanos a estes produtos derivados é de 350 biliões, num mercado mundial de derivados de 700 biliões. Isto é, só os dez maiores bancos americanos têm metade do problema em mãos.
Por estas razões, a senhora Merkel quer regular os mercados financeiros, quer aplicar uma taxa sobre as transacções financeiras, quer por os estados e os povos europeus a gastar menos e a produzir mais. Quer ajudar, mas quer garantir antes, que a ajuda é bem utilizada.
Tem todo o meu apoio.
Declaro toda a minha simpatia e solidariedade com a sociedade americana, o seu dinamismo, a sua cultura, os valores de criatividade e de liberdade que defende. Os seus políticos estão errados.  Profundamente errados.

José Gomes Ferreira 
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