A Tragédia à vista e quase ninguém a quer ver…de novo!
(09-06-2012)
Esta sexta-feira,
Barack Obama disse, nos Estados Unidos, que a Economia Americana não está bem e
que é preciso tomar medidas para acelerar o crescimento.
Como?, pergunto eu na minha surpresa de europeu de um país em austeridade! Ouvi
bem? Como disse, senhor Obama?
Depois de tantos biliões de dólares injectados pelo Tesouro americano numa política de estímulos à economia com dinheiro criado pela FED? Afinal a economia americana não cresce o suficiente com essa receita?
Depois de tantos biliões de dólares injectados pelo Tesouro americano numa política de estímulos à economia com dinheiro criado pela FED? Afinal a economia americana não cresce o suficiente com essa receita?
Esta quinta-feira,
numa audição no Congresso, o presidente da Reserva Federal reconheceu
que, de facto, é preciso tomar medidas para reduzir o défice americano e que
este défice, de quase dez por cento ao ano, pode comprometer o
crescimento a médio e longo prazo nos EUA. Mas Ben Bernanke recusou-se a
dar sugestões sobre a forma de o reduzir – se por via do corte de despesa, de
aumento de impostos, ou de ambos - e acrescentou que o problema não é
premente. A médio prazo sim, os EUA deverão começar a pensar nisso…
Os dois senhores
citados, e também Timoty Geithner, secretário de Estado do Tesouro, são os
mesmos que nos últimos dois anos se têm multiplicado em declarações sobre a
política alegadamente errada que a Europa do Euro e, em particular a senhora Merkel,
têm seguido no Velho Continente. Os maiores responsáveis políticos e
financeiros americanos vão mais longe: dizem mesmo que o maior risco para
a economia americana vem da Zona Euro e da ameaça de desintegração provocada
pelas políticas restritivas de Berlim e Bruxelas.
Não vale a pena
teorizar muito sobre duas visões completamente diferentes da mesma realidade, a
realidade do declínio económico da Europa e dos Estados Unidos no mundo
globalizado, provocada pelos excessos do sistema financeiro e a alavancagem
geral das famílias, das empresas e do Estado.
A senhora Merkel
tem razão e o senhor Obama não tem razão.
A senhora Merkel,
com a sua teimosia, está a conduzir a Europa a uma urgência de reforço da união
monetária, financeira e, por consequência, a uma União Política que pode
conduzir ao Federalismo. Venha ele. Com novos mecanismos de controlo
orçamental, depois de aprovado o Tratado Intergovernamental ou revisto o
próprio Tratado de Maastricht, o Euro será reforçado, os países gastadores vão
corrigir os seus excessos e os Governos dos países mais ricos, como a Alemanha,
poderão assim justificar perante as suas opiniões públicas, as ajudas que vão
continuar a dar aos países periféricos. Ao contrário do que se escreve, que a
Alemanha não quer ajudar a Grécia, a verdade é a contrária. A Alemanha, pela
primeira vez em muitos séculos, quer ajudar a Grécia. Noutras alturas de facto
não ajudou e, até há poucas décadas, a Grécia viveu sempre em incumprimento, na
bancarrota ou lá próxima. O que a Alemanha quer é garantias de que a ajuda vale
a pena.
Do outro lado do
Atlântico, os riscos são cada vez maiores. A estratégia, não sendo explícita, é
simples: a emissão contínua de moeda pela Reserva federal é uma forma de baixar
o valor da moeda e, por consequência, baixar o valor da dívida externa.
Entretanto, a economia vai sendo alimentada por dinheiro injectado pelo Governo
em gastos públicos insustentáveis. O mecanismo funciona desde que haja procura
externa para as notas de dólar e para as bonds, títulos de dívida dos EUA.
Perante uma Europa do Euro que prece desagregar-se, os investidores procuram
bonds, fazendo subir o preço, baixando as yields, ou os juros, e
alimentado cada vez mais o monstro insaciável.
A história recente
mostra que o pensamento único é perigoso. Em 2007 eram poucos os que diziam que
o mercado financeiro estava contaminado por produtos estruturados com base num
mercado imobiliário insustentável. Os poucos tinham razão. Os muitos que
criticavam as vozes de alerta não tinham razão.
Em 2012, muitos
dizem que a senhora Merkel está a esmagar a Europa e que a austeridade é uma
política fatal e que é preciso estímulos orçamentais ao crescimento económico.
Eu arrisco dizer
que a senhora Merkel tem razão; o que os mercados financeiros querem é que os
Estados, isto é, os contribuintes, paguem a totalidade dos prejuízos do
dinheiro que emprestaram. Arrisco dizer que os analistas e os políticos
que querem uma solução política imediata para o Euro e os países em
dificuldades, que pedem mais estímulos orçamentais estão, sem o saberem, a
fazer o jeito a esses investidores – querem que os Estados se endividem ainda
mais e que o BCE comece a imprimir dinheiro como a FED. Estão errados.
A fronteira entre a
confiança aparentemente ilimitada dos investidores mundiais nas bonds e
no dólar, e a desconfiança súbita, é mais fina que as asas de uma abelha.
Por este caminho não faltarão muitos anos para o dólar começar ter menos
procura e as yields das bonds americanas começarem a subir, tornando a
dívida externa insustentável.. A declaração do senhor Obama sobre o verdadeiro
estado da economia dos EUA arrisca-se a ser um princípio.
Fica escrito assim,
preto no branco, para memória futura.
Não só o actual
modelo económico americano, baseado nos estímulos públicos e numa política
monetária expansiva, é insustentável, como é insustentável a exposição dos dez
maiores bancos americanos a derivados financeiros que enxameiam os seus
balanços e os mercados em geral. Para se ter uma ideia aproximada, o PIB
americano é de 14 biliões (trillion) de dólares; o PIB de todo o mundo é de 70
biliões. A exposição dos bancos americanos a estes produtos derivados é de 350
biliões, num mercado mundial de derivados de 700 biliões. Isto é, só os dez
maiores bancos americanos têm metade do problema em mãos.
Por estas razões, a
senhora Merkel quer regular os mercados financeiros, quer aplicar uma taxa
sobre as transacções financeiras, quer por os estados e os povos europeus a
gastar menos e a produzir mais. Quer ajudar, mas quer garantir antes, que a
ajuda é bem utilizada.
Tem todo o meu
apoio.
Declaro toda a
minha simpatia e solidariedade com a sociedade americana, o seu dinamismo, a
sua cultura, os valores de criatividade e de liberdade que defende. Os seus
políticos estão errados. Profundamente
errados.
José Gomes Ferreira
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