Nas declarações que fez ao Expresso, já depois da notícia da demissão de Zeinal da Oi, Pires de Lima nunca refere o nome do homem que dirigiu a PT desde 2008. Nem Bava nem Henrique Granadeiro são nomeados. Percebe-se que é uma opção: ao ministro da Economia interessam menos as pessoas e mais o tipo de gestão que representam e a herança que deixam.
Sobre essa herança, Pires de Lima não se alonga: “O mal está feito e agora, destes destroços da PT, há de se fazer o que se puder, mas não há de ser igual àquilo que a PT já foi.” O governante admite que “é improvável” que surja uma solução para a empresa ficar em mãos portuguesas, “mas também já era improvável nesta fusão com os brasileiros, como se percebeu rapidamente” (abre parêntesis: “É chocante que há uns anos se tenha questionado tanto a possibilidade de a PT ser comprada pelo grupo Sonae, que fez uma OPA valorizando a empresa €10 mil milhões, ou até ser integrada na Telefónica, para hoje vermos a PT terminar a ser alvo de empresas internacionais com projetos que não têm comparação com aqueles que se prefiguravam há uns anos”).
Resumo da história: “As perspetivas que a PT possa ter pela frente não terão comparação com as que existiam antes, mas compete aos acionistas escolherem o caminho. Eu não sou um governante socialista que vá dar palpites à PT sobre o que deve fazer,como no passado aconteceu com José Sócrates.” (Segundo parêntesis: “O momento fatal para a PT”, diz Pires de Lima, “foi o Governo de José Sócrates só ter acedido à venda da Vivo pela compra, a um preço exorbitante, da Oi, que era uma empresa de terceira classe. Esse movimento destruiu muito valor e, segundo se sabe, foi uma exigência direta de Sócrates.” E fica na mesa o primeiro de dois nomes que o governante traz à liça como corresponsáveis pelo que aconteceu na PT. O segundo será Ricardo Salgado.)
Pires de Lima considera que o fundamental é separar o trigo do joio e enterrar os modelos de gestão tipo Bava/Granadeiro. “Para mim, o importante, porque isto não é um caso único na economia nacional, é o sentido maior de exigência que deve incidir na gestão das grandes empresas. O que eu quero é usar este mau exemplo da PT para que exemplos destes não se repitam na cultura empresarial portuguesa.”
Aprender com a lição que, segundo o governante, se conta assim: “A evolução da PT é o exemplo acabado e chocante de destruição de valor numa grande empresa nacional, que perdeu mais de 85% daquilo que era, como consequência da gestão ter sido capturada por interesses próprios e interesses particulares de um acionista, e ter sido extraordinariamente submissa a interferências políticas completamente irracionais do ponto de vista económico.”
Para o ministro da Economia, “é importante que este modelo — que só é possível com cumplicidades políticas, com captura de interesse de acionistas por gestores — seja censurado e não seja repetido, caso contrário torna-se muito difícil atrair investimento internacional de qualidade para Portugal. Para que a economia portuguesa tenha capacidade de atrair investimento, é fundamental que os gestores sejam qualificados e funcionem em função de uma agenda alinhada com os acionistas, e não de agendas próprias. Que funcionem mais na base de produzir resultados que possam ser quantificados através das demonstrações anuais de resultados, do que tornando-
se especialistas na compra de prémios internacionais que não têm correspondência com os resultados reais da empresa.” Sim, a referência à “compra de prémios internacionais” tem um nome, e Pires de Lima nem precisa de o dizer, pois não há quem não saiba que Bava foi várias vezes escolhido como o melhor CEO europeu do sector de telecomunicações.
“Acho que vale a pena fazer a radiografia de tudo o que se passou na PT”, diz Pires de Lima. Que faz o seu raios-X: “As figuras mais altas da PT sobreviveram com uma aura de prestígio, apesar de a empresa se desvalorizar todos os anos 20% e 30%. Isto foi possível graças a muita falta de exigência, ou cumplicidade, entre núcleos de acionistas e os gestores. E também à custa de falta de exigência na comunicação social e nos agentes que acompanham estas empresas, porque não é natural que uma empresa se tenha degradado, com a mesma equipa de gestão, durante tantos anos, sem que tivessem soado sinais de alerta.” Um sintoma, diz, de “uma cultura empresarial que continuamos a ter em Portugal, na qual muitas vezes é conferido aos gestores um estatuto de quase intocabilidade. Sr. doutor para aqui, Sr. engenheiro para ali, ene mordomias, um tratamento acrítico da comunicação social. Eu vim desse mundo, eu conheço-o. E geram-se com grande facilidade em Portugal gurus da gestão que, realmente, de gerir e de criar valor em empresas nunca deram provas.”
Os analistas financeiros também não escapam. “Qualquer bom analista financeiro consegue perceber como se destruiu este valor na PT em oito anos e consegue identificar as decisões de gestão e de carácter político que tiveram interferência nesta destruição de valor, bem como estas últimas decisões inexplicáveis, em que de repente se percebeu que a comissão executiva da PT estava prisioneira, capturada, dos interesses de Ricardo Salgado”, diz o ministro da Economia.
O que pode ser feito agora? “Há modelos de governação que são privilegiados pelas empresas cotadas em bolsa, e que devem ser exaltados, há analistas financeiros que deveriam ter cumprido o seu papel, há auditores que devem fazer ouvir a sua voz de forma firme. E também não acho mal que o Governo, mais do que andar a forçar empresas a fazer o negócio A, B ou C, para depois ir inaugurar sedes e fazer disso momentos políticos, procure estabelecer padrões de governação que funcionem como censura a estes casos e aplauso aos que funcionam de outra maneira.”
No roadshow que tem feito
desde há um ano para captação de investimento para Portugal, Pires de Lima diz que tem sido confrontado com muitas perguntas sobre o BES e a PT. E que essa tem sido a oportunidade para responder que “sim, esses casos não correram bem, mas temos 18 casos no nosso principal mercado de capitais que correm bem e que são geridos com boas regras de governação”.
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