A operação das forças
militares americanas na Base Aérea das Lajes há muito que merecia um livro.
Muito resumidamente foi
assim:
A apetência dos EUA pelos
Açores (e Cabo Verde) recua à Guerra Hispano-Americana, de 1898, que marca o
início do imperialismo “yankee” fora do Continente Americano, o que nunca mais
parou até hoje.
Prolongou-se na I Guerra
Mundial, com a ameaça submarina alemã e a visita do futuro presidente Roosevelt
(na altura Subsecretário de Estado da Marinha), em 1918, e firmou-se na II
Guerra Mundial, por causa da ameaça naval alemã – podia ter sido aero - naval
caso a Alemanha tivesse intentado e conseguido ocupar aquele arquipélago e
também o da Madeira.
Mas quem, de facto, pensou
ocupar os Açores – considerados como uma fronteira avançada de defesa da
América – foram os próprios americanos, que chegaram a preparar uma invasão e
ocupação do território, em Jul/Ago de 1941 (Operação “Life Buey”, comandada
pelo Brig. Gen. Holland Smith).
Acontece que o Governo
Português da altura – estrénuo defensor dos interesses portugueses – tinha
reforçado o Açores com 25.000 homens e alguns meios aéreos e navais,
dispondo-se a garantir a neutralidade proclamada, mesmo com o uso da força.
Os americanos fizeram um
cálculo do risco e das baixas e hesitaram.
Mais experientes do que os
seus amigos do outro lado do Atlântico, a diplomacia inglesa, valendo-se do
especial relacionamento que tem connosco, desde 1373, veio tentar acalmar os
ânimos e negociar uma solução adequada, até porque o governo português, num
gesto habilíssimo, ameaçou invocar a velha Aliança em caso de ataque americano…
Destas negociações que
foram duras e demoradas resultou a ida dos ingleses para as Lajes e, mais
tarde, a dos americanos para S. Maria, com a condição de no fim da guerra
saírem, deixarem-nos todas as instalações, garantirem a soberania portuguesa em
todos os territórios ultramarinos e, ainda, a garantia que Timor Leste –
ocupado pelos japoneses - voltaria para Portugal e que forças portuguesas
participariam na libertação do território.
Tudo foi cumprido.
Em 1948 (ano anterior ao
estabelecimento da OTAN) os EUA solicitaram facilidades de operação na Base
Aérea 4 nas Lajes, o que foi concedido, até hoje.
A Base das Lajes pertence
à Força Aérea Portuguesa.
Deste modo estabeleceu-se
um destacamento da Marinha dos EUA – que operavam os aviões – outro da USAF –
que operavam os meios de apoio terrestre – e do Exército Americano - que
operavam as lanchas e equipamento portuário…
E como o governo de
Lisboa, da altura, não brincava em serviço e não deixava que estrangeiros nos
ditassem leis, logo acordou com Washington, um conjunto de condições que, além
de não comprometerem minimamente a soberania nacional, tornavam os EUA
completamente devedores de Portugal, pois não pagavam um dólar por lá estarem.
Tal facto devia-se a que a
lógica política de então defendia, por ex., que nenhum pedaço de território
nacional podia ser alugado…
Foi criado um Comando
Aéreo Português, cujo comandante seria sempre mais antigo que o oficial
americano mais graduado e, até, a bandeira americana não estava autorizada
(creio que ainda não está) a tocar o solo Pátrio, ficando simbolicamente,
assente num bloco de pedra para o efeito concebido.
Marcello Caetano que
sucedeu a Salazar na chefia do governo, mudou a postura portuguesa para com os
EUA, relativamente às Lajes, negociando contrapartidas materiais pela presença
americana, o que se podia consubstanciar em ajuda económica directa ao
Arquipélago, melhoria das condições dos trabalhadores portugueses e, sobretudo,
em armamento e equipamento militar, de que as Forças Armadas Portuguesas
estavam muito carenciadas devido aos conflitos ultramarinos iniciados em 1961.
Esta nova política acabou
por não dar grandes frutos, sofrendo Portugal uma espécie de “ultimato”
encapotado, relativamente ao uso indiscriminado da base, no socorro que
Washington prestou a Israel na Guerra do Yom Kipur, em 1973.
A importância dos Açores
nunca diminuiu para os EUA durante toda a “Guerra Fria”, por causa do eventual
reforço rápido da Europa, da ameaça submarina soviética, além de ser ponto de
apoio importante para aviões em rota para o Médio Oriente.
Com a queda do “Muro de
Berlim”, em 1989, e a evolução geopolítica daí decorrente; a melhoria dos
armamentos e, ultimamente, a mudança de prioridades de Washington para o
Pacífico, a importância conjuntural da Base das Lajes perdeu valor relativo
para os americanos.
Daí a natural mudança do
seu dispositivo.
Por isso é lógico que
queiram reduzir a sua presença nas Lajes (em 485 pessoas) mas, estamos em crer,
jamais a Secretaria de Estado da Defesa dos EUA, quererá sair de lá de vez…
É claro que esta redução
vai constituir um duro golpe na economia da Ilha Terceira e levar ao desemprego
estimado de 500 trabalhadores portugueses, cujo vínculo se procurava articular
com as leis de trabalho nacionais.
Mas temos que perceber que
os americanos não estão lá pelos nossos lindos olhos e tratam de defender os
seus interesses e não os alheios.
Os Açores já tinham
sofrido um duro golpe aquando da saída dos franceses da base de rastreio de
misseis, que montaram na Ilha das Flores, em 1993, sem que tivesse ocorrido o
alarido de agora.
Pacífica e gradual foi,
também, a saída dos alemães da base de Beja, em 1993.2
Por tudo isto não se
entende o actual “histerismo” de políticos e sobretudo do Governo Regional dos
Açores, à volta deste assunto, revelando uma grande falta de sentido de Estado
e em nada contribuindo para um bom desfecho do que está em curso e para as
futuras relações com os EUA.
A ameaça velada e pública,
sobre a possibilidade da China (ou outros) poder vir a operar no Arquipélago é,
a todos os títulos, deplorável.
Há coisas que se tratam na
circunspecção das chancelarias e não no ruído e demagogia da rua.
Um contrato é um vínculo
de interesses comuns, entre duas ou mais partes. Se uma das partes se quiser
desvincular, só tem que o fazer negociando tal desiderato em função do que
estiver vertido no acordo.
Além do mais este é um
assunto de Defesa e Segurança Nacionais, tratado estado a estado e, por isso, o
Governo Regional, deve-se remeter apenas para as suas funções constitucionais.3
Nós podemos,
eventualmente, gostar mais ou menos da presença americana nas Lages, mas a
decisão da sua diminuição ultrapassa-nos. A não ser que fossemos nós a querer
impor essa redução. Pode (e eventualmente deve) Lisboa mostrar as suas
preocupações; oferecer a sua hospitalidade; apresentar outras propostas de relacionamento
bilateral, etc., mas não pode exigir nada relativamente à presença americana na
Base, a não ser o que está estritamente acordado para o efeito, e ficar com as
decisões ora tomadas, em carteira.
A algaraviada de
exigências propaladas pelos “média” não passam de ruído ineficaz, apenas
explicáveis pela eterna luta partidária.
Temos que estar atentos ao
comportamento do FMI e do Banco Mundial, onde os EUA pontificam, cuidar da
nossa comunidade emigrante naquele país e ter que ter especial cuidado com a
atitude que os americanos irão assumir, na ONU, face à proposta de alargamento
da Plataforma Continental, apresentada por Portugal.
E, curiosamente, não vemos
ninguém preocupado com a exiguidade (sempre a diminuir…), de meios militares
portugueses no (s) Arquipélago (s) e na necessidade urgente de inverter a
situação.
Requerem-se bom senso e
clarividência política e estratégica.
Uma coisa – além do
“saber”- anda, aliás, ligada à outra.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
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