Tacticamente tudo se percebe. Do ponto de vista da baixa táctica política até a coisa parece habilidosa.
Desde 2011 que
nenhuma sondagem dá maioria absoluta ao Partido Socialista. Donde se segue que
para aguentar um governo minoritário – principalmente um que se pretende
reformista – é preciso um Presidente cúmplice, muito mais cúmplice do que foi
Cavaco com o CDS e o PSD. Mas para ser elegível esse Presidente não pode ter a
mais leve animosidade do PC, do Bloco e da poeira dos pequenos grupos da extrema-esquerda.
Ora, como ao fim de 40 anos não há gente dessa, a franja radical do PS acabou
por inventar uma não-pessoa, um saco vazio onde venha donde vier qualquer
militante ou simples simpatizante não se importará de meter o seu voto: no caso
o sr. Sampaio da Nóvoa.
Meia dúzia de
homens de músculo político agarraram na criatura e resolveram enfiar a dita sem
grande cerimónia pela goela aberta de um povo miserável e de uma “classe
dirigente” sem destino ou vergonha. Claro que os socialistas nunca na vida mostraram
o menor escrúpulo em organizar esta espécie de operação. Basta lembrar que o
dr. António Costa tomou o partido de assalto com uma grande dose de brutalidade
e demagogia, perante a equanimidade e o deleite dos seus queridíssimos
camaradas. Agora, a ideia é fazer o mesmo com o país: a tradição ajuda. Soares
como Sampaio estão ali para o trabalho sujo. Sampaio com o vácuo de uma cabeça
onde nunca entrou nada; Soares com ar rusé, que de quem continua a
puxar os fios da intriga. E Manuel Alegre com a sua insofrível jactância e
pretensão moral.
O candidato, esse,
não conta. Cita Sophia de Mello Breyner, “Zeca” Afonso e Sérgio Godinho, e com
esta mistura de um lirismo torpe faz declarações sem propósito ou consequência.
Promete (imaginem só) não se “resignar” à “destruição do Estado Social”, à
pobreza, ao desemprego, à “exclusão” ou à mais leve força que “ponha em causa a
dignidade humana”. Como tenciona fazer isto, não confessa. Promete “agir” com
“integridade e honradez”, coisa que deve tranquilizar a populaça já com muito
pouco para espremer. E promete, para nossa perplexidade e espanto, não assistir
“impávido” à “degradação da nossa vida pública”. Não percebe ele que a sua
própria candidatura, fabricada por meia dúzia de maiorais do PS, à revelia dos
portugueses (que nem o conhecem), é o mais grave e humilhante sinal da
“degradação da nossa vida pública”?
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Vasco Pulido Valente in "Público" (01-05-2015)
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