PALMA INÁCIO:
TERRORISTA, BANDIDO OU HERÓI?
O cidadão Palma
Inácio faleceu no dia 14 de Julho de 2009, faz agora quatro anos. Na altura
escreveram-se algumas imprecisões históricas, ignoraram-se convenientemente
factos, branquearam-se acções e fizeram-se elogios patéticos. Como estamos no
campo da opinião, também queremos dar a nossa.
O conceito de
“terrorismo” vem da Antiguidade Clássica e devemos remontar à seita dos
“Assassinos” (Século XII) e ao “Velho da Montanha”, para encontrar o seu início
organizado.
Até hoje não se
acordou numa definição de terrorismo dada a dificuldade objectiva de o fazer.
Isto é, para uns, o autor de um acto tido como terrorista é, para outros, um
acto de heroísmo em defesa de uma causa. Isto, para não entrarmos no conceito
do próprio Estado poder ser considerado terrorista…
De qualquer modo,
terrorismo ou não, queremos referir-nos sempre a actos de violência que
implicam, ou podem implicar mortes e danos – inclusivé pretender infundir o
terror – e que visam objectivos políticos, ou simples violência gratuita.
Por outro lado, o
delito comum está ligado aos crimes de assassínio, estupro, roubo, etc., que
visam motivações de ordem pessoal.
Herói, por seu
turno, vem do grego “héros”, homem extraordinário pelas suas proezas
guerreiras; protagonista duma obra literária (depreciativo); homem notável
pelos seus desmandos ou irregularidades.
Palma Inácio (PI)
foi um exemplo acabado em como “a ocasião faz o ladrão”.
Vejamos como tudo
começou.
Palma Inácio
nasceu algarvio, em Ferragudo, no ano de 1922. Filho de família modesta, nada
se conhece da sua infância que seja relevante para o que estamos a tratar.
Concorreu à
Aeronáutica Militar com 18 anos e em 1946 encontrava-se a prestar serviço na
Base Aérea (BA1) em Sintra, como ajudante de mecânico de aviões, tendo atingido
o posto de furriel.
Segundo
depoimento do Capitão Graciano chefe dos mecânicos da BA1 2 e
também responsável pela manutenção dos aviões do Aeroclube de Portugal (ACP)
que operavam a partir da base, PI era “ambicioso, refilão, com tendência para a
indisciplina, insatisfeito, revelando por vezes menos simpatia para com o
regime político (através de desabafos). Fundamentalmente revelava inconformismo
com a sua situação. Queria ser piloto, mas não tinha habilitações mínimas para
concorrer ao curso de praças pilotos”.
Não tendo
dinheiro para tirar o curso no ACP pediu para ser ajudante do Cap. Graciano
como funcionário daquele aeroclube, o que foi aceite e lhe proporcionou uma
nova remuneração. Conseguiu ainda ser mecânico do avião "Dragon" que
fazia voos de fotografia aérea aos fins – de - semana para os serviços
geográficos e cadastrais.
Este pecúlio
extra permitiu que se inscrevesse no ACP a fim de tirar o brevet de piloto
civil. Caiu então na tentação de roubar gasolina dos aviões militares para os
aviões do ACP, permitindo-lhe, deste modo, fazer mais horas de voo com menos
despesa (registava uma quantidade de gasolina superior à que metia nos
depósitos; o excedente, impróprio para consumo, juntava num bidon e utilizava
posteriormente nos aviões do ACP). Na caderneta de voo escrevia ainda um total
de horas, menor do que realmente fazia,
pagando assim menos. Tudo isto representava procedimentos irregulares do ponto
de vista disciplinar e da segurança de voo.
Num dia de
Setembro resolveu dar um passeio de avião ao Ribatejo para ir apanhar melões,
mas na tentativa de aterragem sofreu um acidente tendo o avião ficado partido
bem como as pernas do passageiro, o Pcb Costa Pereira, que aliciara para a aventura.
O Comandante da
BA1, TCor Filipe Gomes Vieira quis saber como era possível, dois mecânicos
andarem a voar num avião do ACP durante as horas de serviço e mandou instaurar
um processo de averiguações do que resultou descobrir-se toda esta trama.
O Comandante
puniu PI com 10 dias de prisão disciplinar agravada, o que foi agravado para 20
dias, pelo Comandante Geral da Aeronáutica Militar. Tal castigo, à luz da
legislação de então, obrigava o punido a abandonar as fileiras. PI jurou
vingança.
Como gozava de
fama de ser competente como mecânico rapidamente arranjou emprego, sendo
admitido na Companhia Aérea KLM, em Lisboa.
Em 10 de Abril de
1947 teve epilogo um movimento de contestação ao “Estado Novo” onde estava
implicado o Brigadeiro de Aeronáutica António de Sousa Maia.
PI ter-se-á
ligado a este movimento por ver aí a oportunidade de satisfazer o seu desejo de
vingança. Aparentemente foi aliciado para a acção por um ex-tenente Quintão,
após encontro com este na Praça do Chile (o que PI mais tarde viria a negar).
Deste modo o nosso “herói” foi encarregue de sabotar os aviões da BA1,
tendo-lhe sido acenado com uma posterior promoção a major.
Assim, na noite
de 9 para 10 de Abril de 1947, PI cortou (ou serrou) os cabos de comando a
vários aviões "Tiger Moth", "T-6" e "DC3", num
total de 35. No caso participou o Pcab mecânico Gabriel Gomes (não por ser
revolucionário, mas por ser amigo de PI) que o introduziu e retirou do hangar.
A conjura, onde
também esteve implicado o cidadão João Lopes Soares (pai do Dr. Mário Soares),
falhou e PI ficou a monte. O TCor Vieira acabou por não ir frequentar o curso
de promoção …
Por curiosidade
refira-se que PI tinha um irmão mais novo, Jaime Inácio da Palma, que fez
carreira na FA como mecânico de material aéreo. Mas em tudo diferia do irmão e
não concordava “com os seus métodos de actuação”.
E foi assim que
começou a vida “revolucionária” e “romântica” deste ícone do “reviralho”.
De facto algumas
das suas acções ficaram célebres, mas não pelas melhores razões. Ao fim e ao
cabo, que feitos dignos de nota, conseguiu PI?
Já analisámos a
participação na conspiração de 1947, que resultou em prisão, fuga e exílio. A
partir daqui PI deambulou um pouco pelo mundo, até que em 1959 conhece Humberto
Delgado e Henrique Galvão, no Brasil. Volta à conspiração.
Em 11 de Novembro
de 1961 assalta e desvia o "Super Constellation" da TAP que fazia o
percurso Casablanca/Lisboa, com o objectivo de lançar panfletos sobre Lisboa, o
que consegue. Daqui nada resulta na prática para além de um embaraço para o
governo de Lisboa. Mas inaugurou a época da pirataria aérea moderna (como a
seguir aconteceria no mar com o assalto ao paquete Santa Maria – nós temos que
estar na vanguarda de algo!) que tantas dores de cabeça têm dado ao mundo em geral
e ao Ocidente em particular.
Resta ainda saber
até que ponto é lícito e moral arriscar a vida de cidadãos comuns e pôr em
causa bens nacionais, para beneficiar ideias políticas ou personalidades, que
estavam longe de colher apoio ou simpatia na esmagadora maioria dos
portugueses.
Um ano antes do seu
passamento o jornal “Correio da Manhã” promoveu um encontro entre este elemento
“antifascista” e o então comandante Marcelino, e a chefe do pessoal de cabine.
Foi uma festa! Há gente que não tem mesmo vergonha na cara…
De Marrocos, cujas
autoridades se recusaram a extraditá-lo, parte novamente para o mundo. E
regressa à conspiração.
A ausência leva alguns
anos e devem-se ter esquecido dele. Até que no dia 17 de Maio de 1967,
reaparece à frente de uma quadrilha – que lhe devemos chamar? - e assalta a
dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz. Roubam 28.000 contos, uma
fortuna para a época. A fuga é aparatosa e acaba em Paris.
A PIDE põe-se em campo e
através do rasto de notas deixadas pelo caminho levam as autoridades francesas
a prendê-lo. É então que entra em cena um elemento da oposição dita
democrática, com provas dadas de seriedade, o Dr. Emídio Guerreiro e que
inventa a criação da LUAR, a fim de dar um cariz politico ao roubo e assim evitar
a extradição do preso para Lisboa. É deste modo que é criada a LUAR, em 19 de
Junho de 1967, um mês após a “Operação Mondego”. Com este argumento as
autoridades francesas impediram a entrega de PI à justiça portuguesa. A PIDE
infiltra entretanto a LUAR e consegue recuperar 22.000 contos do dinheiro
roubado, em duas "tranches" de 11.000. 3.000 contos tinham sido
gastos pelos “amigos do alheio” e 3.000 foram entregues a Emídio Guerreiro que
os depositou numa conta na Suíça. Quando se dá a “Revolução dos Cravos”, 1500
contos que restavam desta última quantia, foram entregues por Emídio Guerreiro
a PI para serem entregues ao Banco de Portugal, mas desapareceram. E este é um
dos episódios que levaram estes dois personagens a, mais tarde, acusarem-se
mutuamente e irem a tribunal.
De tudo resultou ser PI o
último preso a ser libertado de Caxias após o 25 de Abril, já que muitos o
consideravam um preso de delito comum. Resta ainda acrescentar que a LUAR ainda
realizou em França e Luxemburgo assaltos à mão armada a carrinhas que
carregavam as economias dos nossos emigrantes.
Ainda hoje não há
conhecimento de quais as actividades levadas a cabo contra o regime de Salazar,
com o produto destes roubos … Aliás o insuspeito Jaime Serra (da ARA - Acção
Revolucionária Armada) acusou a LUAR, em entrevista ao DN de 13/2/99, de “ter
cometido actos criminosos a coberto de motivações políticas”.
PI volta a aparecer no ano
seguinte em Portugal sendo o objectivo agora tomar a cidade da Covilhã com meia
dúzia de novatos. A operação que ninguém sabe explicar como se fazia ou para
que serviria, nem se desencadeia, sendo o grupo preso pela polícia. Nova fuga e
exílio.
Finalmente infiltra-se
novamente no continente com o intuito de raptar figuras políticas, a fim de
serem trocadas por presos políticos. De novo é preso e assim fica até ser
libertado pelos revolucionários de Abril de 74.
De facto PI nunca
conseguiu nada a não ser manchar o seu nome com o epíteto de traidor, pois
realizou acções que objectivamente favoreceram os inimigos do seu país, que
então desenvolvia extensas operações militares de contra guerrilha e afirmação
de soberania. PI não tinha, aparentemente, ideário político, nunca escreveu um
manifesto e não se lhe conhece uma ideia. A única coisa que mostrou competência
foi em fugir das prisões.
Foi este personagem que
esta terceira República elegeu como herói e referência nacional, que o então PR
Mário Soares quis atribuir a Ordem da Liberdade, ao que se opuseram toda a Casa
Militar e não só. Mário Soares não se atreveu a levar por diante a sua intenção
- estranha-se pois os elogios que só na data da morte assumiu na sua plenitude
– a qual só foi concretizada pelo seu sucessor, Jorge Sampaio, no ano 2000, mas
a que nem sequer se deu à decência de assumir, estando presente, deixando o
encargo ao vate Alegre.
A necessidade de
presentear PI com uma pensão (paga por todos nós) parece ter sido o motivo
principal para lhe atribuir a comenda, já que pelos vistos o irrequieto Inácio
tinha uma má relação com o dinheiro e não apreciava muito emprego das nove às
cinco.
“Mutatis Mutandis”, a
maioria do povo português que nunca lhe passou pela cabeça aprovar as diatribes
criminosas de semelhante abencerragem, foi condecorada com um atestado de
reprovação e censura.
O Partido Socialista
obsequiou-o e está-lhe reverente e obrigado. Estamos elucidados.
Aguardamos, pois, em
jubilosa esperança, a transladação deste digno descendente de Gamas,
Albuquerques e Cabrais, para o lugar que sem dúvida alguma merece, no Panteão
Nacional.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
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